sexta-feira, 21 de maio de 2010

Não existe um co-dependente, existem dois dependentes, Lygia Vampré Humberg

Não existe um co-dependente, existem dois dependentes 
Resumo Lygia Vampré Humberg Claudio Cohen 

 Os estudos iniciais sobre dependência colocavam seu foco apenas no dependente. Mais tarde, as pessoas que tivessem vínculos com o dependente começaram a ser chamadas de co-dependentes, e foram caracterizadas como vivendo para cuidar e controlar o outro, preenchendo assim suas dificuldades de entrar em contato com seu próprio mundo interno. Este trabalho parte do estudo do conceito de co-dependência para demonstrar que esta é também uma dependência e que o tipo de vínculo aqui estudado pode ser usado como paradigma dos vínculos simbióticos. Como o prefixo “co” ressalta a ligação com o dependente químico, e a diferenciação do pré-conceito entre o indivíduo saudável, que cuida do que é doente, dependente químico, e entendemos que nesta relação são dois dependentes, sugerimos o nome de dependência do vínculo. Palavras chave: dependência, vínculo, drogas, co-dependência. Resumen Los estudios iniciales sobre la adicción colocaban su foco apenas en el adicto. Más tarde, las personas vinculadas con los dependientes comenzaron a ser llamadas co-dependientes, y fueron caracterizadas como viviendo para cuidar y controlar al otro, eclipsando de esta manera sus dificultades de entrar en contacto con su propio mundo interno. Este trabajo parte del estudio del concepto de co-dependencia para demostrar que esta es también una adicción y que el vínculo aquí estudiado puede ser utilizado como paradigma de los vínculos simbióticos. Como el prefijo “co” destaca la ligación con el dependiente químico, y la diferenciación entre este y el pre-concepto de individuo sano, que cuida a aquel considerado enfermo, drogadicto, entendemos que en esta relación son dos adictos, sugerimos el nombre dependencia del vínculo. Palabras llave: adiccion, co-dependiencia, vinculo, drogas. Não existe um co-dependente, existem dois dependentes Lygia Vampré Humberg Claudio Cohen INTRODUÇÃO Em geral, pensa-se que os dependentes de álcool e drogas são solitários, distantes de suas relações primárias. Entretanto pesquisadores que se aprofundaram no tema verificaram que dependentes são estreitamente ligados à família, ou às pessoas que os educaram. STANTON; HEATH (1997) realizaram estudo em Nova York detectando que 90% dos dependentes de drogas até 22 anos cujas mães estavam vivas moravam com elas. Entre aqueles com até 30 anos, essa porcentagem era de 59%. Pesquisas de outros países indicam que este não é um fenômeno restrito aos Estados Unidos: na Inglaterra 62% dos dependentes vivem com a família, na Itália 80%, em Porto Rico 67% e na Tailândia 80%. Viver com a família não é por si só patológico e é bastante comum em muitas culturas. Todavia é importante ressaltar que a família é importante para o dependente e ele é importante para a família. Os familiares podem ser uma excelente fonte de ajuda para dependentes químicos relutantes em buscar tratamento, e ter um dependente químico em casa, também pode levar familiares a procurarem auxílio. Nascer e crescer em um ambiente onde já existam dependentes, químicos ou não costuma ser bastante prejudicial. Os efeitos de viver em uma família de dependentes de álcool e drogas são tão fortes que o indivíduo pode ser afetado em qualquer estágio de sua vida, podendo sentir- se inseguro com relação à sua confiança, auto-imagem e maneira de ver a realidade. Além disto, essa insegurança não diminui necessariamente, se a pessoa muda de ambiente (POTTER-EFRON; POTTER-EFRON 1989). As patologias ligadas a familiares de dependentes, chamadas inicialmente de co- dependência, têm sido tema de atenção pública e profissional nos Estados Unidos. Em algumas estimativas co-dependência é associada com a saúde e o bem estar de 10,5 milhões de dependentes de álcool e 1,6 milhão de dependentes de drogas injetáveis. A co- dependência gera 273,3 bilhões de dólares de custos sociais anuais estimados, ligados a mortes acidentais causadas por abuso de substâncias, abuso sexual, violência doméstica, doenças infecciosas, prisões, assassinatos, hospitalizações, afetando pessoas de todas as classes sociais, idades e gênero (HARKNESS; COTRELL, 1997). CO-DEPENDÊNCIA Originalmente o termo co-dependência foi usado para descrever a relação disfuncional entre a esposa e seu marido alcoólatra, havendo indicações de que evoluiu do termo co-alcoólatra, no final da década de 70, quando o alcoolismo e a dependência a outras drogas começaram a ser chamadas de dependências químicas. O foco sobre a família intensificou-se e o conceito de co-dependência emergiu (LAIGN, 1989). O termo tornou-se usual no campo da dependência química, sendo definido de diversas maneiras (TOFFOLI et al., 1997). Mais recentemente o estudo dos familiares e seu sofrimento têm sido aprofundados, e o conceito tem se ampliado para descrever a dinâmica de qualquer relação disfuncional de dependência. GORDON; BARRETT (1993) relatam que a co-dependência foi primeiramente relatada como uma anormalidade de “policiamento compulsivo” descrito em esposas de alcoólicos, e que o significado do termo expandiu-se para incluir os filhos de alcoólicos e qualquer indivíduo próximo envolvido em um relacionamento com um alcoólico. CERMAK (1986) e WHITFIELD (1991) afirmam que a co-dependência pode ocorrer independentemente do alcoolismo ou outros transtornos causados pelo uso de drogas. Estudos citados por LINDLEY (1999), por exemplo, não encontraram relação entre co- dependência em adultos e dependência química dos pais durante a infância (LINDLEY et al., 1999). ESTERLY; NEELY (1997) concordam que indivíduos co-dependentes parecem ter características comuns como baixa auto-estima, desejo de ser necessário, grande tolerância para o sofrimento e necessidade de controlar e mudar os outros. Inicialmente achava-se que essas características se desenvolviam por viver com dependentes químicos. Todavia, aos poucos, ficou aparente que, apesar de viver com dependentes químicos realmente causar estresse e contribuir para a gênese de vários problemas psíquicos, muitos co-dependentes já apresentavam seus problemas antes de se envolverem. Além do mais, continuavam apresentando estes problemas mesmo que o dependente químico se recuperasse ou tivessem saído da relação. Outros dois fenômenos apareceram: além dos problemas emocionais e interpessoais, muitos co-dependentes também sofrem de outros problemas compulsivos, como comer, gastar e jogar compulsivamente; e muitos dos alcoólicos em recuperação começaram a apresentar comportamentos compulsivos como seus parceiros co- dependentes. Isso reforça a idéia de que a co-dependência seria também uma forma de dependência, que ocorre independente do indivíduo dependente químico. E este também pode repetir seu sofrimento com qualquer pessoa que venha a se relacionar, ressaltando que, escolhem inconscientemente como parceiro, alguém com quem possam estabelecer uma relação de dependência. No contato direto com os familiares de dependentes químicos, a co-dependência mostra-se um recurso didático de muita valia. Ao ouvir sobre a questão, o familiar se identifica. A palavra torna legítimos muitos dos seus sentimentos e lhes dá permissão para começar a focalizar seus comportamentos disfuncionais (TOFFOLI et al., 1997). Verificamos que o familiar que vem para o tratamento o faz quando está sofrendo muito, e que no começo diz que é por causa do dependente. Aos poucos vai reconhecendo como seus o sofrimento e as atitudes que o provocam. Ao dar um “diagnóstico”, ou seja, poder verbalizar o que eles sentem, parece que eles então “podem” sofrer: “sofro porque sou co- dependente...”. A literatura de auto-ajuda define co-dependência de várias maneiras, tais como “dependência a pessoas, comportamentos ou coisas” (HEMFEL et al., 1989). Estes autores também apontaram que cerca de um em cada quatro americanos são co-dependentes. FRANK; GOLDEN, 1992 dizem que as origens da doença se encontram na primeira infância, na época em que as pessoas não aprendem a entrar em relações de dependência, e muitos co-dependentes são filhos de pais negligentes, abusadores ou dependentes. POTTER-EFRON; POTTER-EFRON (1989) dizem que a ampliação do conceito para descrição não só de familiares de dependentes de álcool e drogas vem sendo aprofundada, e questionam se este apenas pode ser aplicado a familiares de dependentes químicos, ou se incluiria indivíduos que passaram por situações familiares gravemente estressantes. Concluem então que a família de dependentes químicos pode ser um modelo, um paradigma, no qual podemos obter informações sobre a co-dependência, contudo outras circunstâncias familiares poderiam produzir padrões similares, particularmente famílias com problemas crônicos negados, como incesto e doenças mentais e sociais. Após revisão da literatura, somente um estudo brasileiro sobre co-dependência foi encontrado. Este consiste de uma reflexão crítica a respeito dos critérios diagnósticos para co-dependência e uma analogia desta com o mito de Narciso e Eco (TOFOLLI et al., 1997). Os autores caracterizam a co-dependência como uma disfunção comportamental específica e previsível, freqüente em indivíduos emocionalmente ligados a dependentes químicos. O trabalho aponta para a importância da reflexão sobre o conceito – nos aspectos psicológicos, pedagógicos e patológicos – para a devida elaboração de estratégias de tratamento. DEPENDÊNCIA DO VÍNCULO O ser humano é um ser dependente dos outros, porém quando falamos em co- dependência ou dependência do vínculo nos referimos a indivíduos que somente podem subsistir em conjunto com o outro isto denominamos de simbiose, que como nas plantas ou nos animais quando morre o hospedeiro morre também o seu hospede. Nossa hipótese é que a dependência do vínculo se desenvolve por causa do tipo de ligação não desenvolvida na infância precoce. Esta tem seu início na relação mãe/ bebê, ressaltando que, nela ficam incluídas a relação do pai com o bebê, da mãe com o pai, dos avós, e outras relações próximas, e suas expectativas, condições, cultura e o momento que estão vivendo. Esta relação seria específica daquela mãe com aquele bebê, com seus conteúdos inatos, hereditários e desenvolvidos, portanto, o que acontece, é algo oriundo daquele vínculo que não se estruturou, e a mesma mãe pode ter uma ligação diferente com outros filhos. O bebê assim de forma compulsiva e inconsciente, repete aquela relação. Se a mãe não pode ajudar seu filho a estruturar um ego, por também não tê-lo desenvolvido e porque naquela relação e momento não teve condições para isto, a criança desenvolve um ego frágil. Seu superego, por sua vez, sendo herdeiro das influências parentais, quando estas são confusas, fica sem parâmetros reais, idealizado, num momento fazendo requisições desmesuradas, em outro sem exigência nenhuma. Seus desejos, conseqüentemente, ficam recalcados, e quando podem soltar-se o fazem como se não houvesse princípio de realidade, somente guiado pelo prazer. O ego, sendo pouco estruturado, não consegue lidar com esse superego imperativo, com esse id demandante, além da realidade que quer se impor. Deste modo deve acirrar seus mecanismos de defesa, que, por terem pouca flexibilidade trazem muito sofrimento e dificuldade de mudança. Além disto, o uso indiscriminado desse mecanismos de defesa leva o indivíduo a não ter consciência de muitos de seus sentimentos, que dessa forma permanecem inconscientes. São indivíduos que sentem muita angústia, uma vez que o ego fica sempre alerta, sentindo perigos no mundo externo e interno. Sentem também muita culpa devido às exigências desmedidas do superego. Para aprofundar a compressão da dependência do vínculo, usaremos autores, como Winnicott e Bleger, que destacaram a importância das primeiras relações para o desenvolvimento dos indivíduos, e terminaremos falando dos mecanismos de defesa. Para falar da relação mãe/bebê, vou começar por WINNICOTT (1990), que descreve o conceito de mãe suficientemente boa. A mãe suficientemente boa teria o que ele chamou de capacidade de holding, que é “não só o segurar físico do lactente, mas também a provisão ambiental total anterior ao conceito de viver com”. Isto implica os cuidados com o bebê, a necessidade deste de estar fundido com a mãe, e sua percepção dos objetos e dele próprio. Na fase do holding, o bebê se torna gradualmente capaz de experimentar a ansiedade da separação. Isto se dá a partir da sustentação dada pela mãe. Dessa forma vai se tornando uma pessoa com individualidade própria. WINNICOTT (1990) diz ainda que, quando a mãe é suficientemente boa, o desenvolvimento ocorre de forma adequada e o bebê aprende a capacidade de estar só. Esta se baseia na experiência de estar só na presença de alguém, e sem uma suficiência dessa experiência a capacidade de ficar só não pode se desenvolver. Estar só na presença de alguém pode ocorrer num estágio bem precoce, quando sua imaturidade é naturalmente compensada pelo apoio da mãe. À medida que o tempo passa, o indivíduo introjeta essa figura, e dessa maneira torna-se capaz de ficar só sem o apoio ou símbolo materno. Quando as coisas não vão bem, o bebê reage tornado-se muito demandante, necessitando da presença física da mãe ou de alguém para se acalmar, ou ficando sem reação, mascarando suas necessidades, que a mãe não pode escutar. Maturidade e capacidade de estar só significam que o indivíduo teve oportunidade através da maternidade suficientemente boa de construir uma crença num ambiente benigno. Essa crença se constrói através da repetição de gratificações instintivas satisfatórias. Consequentemente, podemos dizer que o dependente do vínculo não teve uma maternagem suficientemente boa e não desenvolveu a capacidade de estar só. Outro conceito desenvolvido por Winnicott (1980) é o de falso-self. Quando a mãe não é suficientemente boa, e não tem capacidade de holding, o bebê vai desenvolvendo o falso-self. Segundo ele, o falso-self pode ser explicado através das primeiras relações objetais. Neste momento o bebê ainda não está integrado e é dependente da mãe. Periodicamente um gesto do bebê expressa um impulso espontâneo. A fonte desse gesto é o self verdadeiro. Dependendo da maneira como a mãe responde ao gesto espontâneo do bebê, ele poderá desenvolver sua espontaneidade, ou não. Se a mãe alimenta a onipotência infantil, esta reforça o ego do bebê (mãe suficientemente boa). Se não for capaz de complementar a onipotência do bebê, e substitui o gesto deste pelo seu próprio, este desenvolverá submissão, que é o estágio inicial do falso-self, resultado da inabilidade da mãe de sentir as necessidades do seu filho. A dependência do vínculo parece ser baseada no falso-self, posto que, como o bebê coloca o gesto da mãe como seu para agradá-la, o dependente do vínculo coloca os movimentos do outro como seus para agradá-lo. E escolhe, de maneira inconsciente, um outro que precise deste que faça o seu gesto para sentir-se seguro. Concordamos com muitos conceitos utilizados por Winnicott, só fazendo a ressalva proposta por BION (1992), onde ele ressalta a relação da mãe com o bebê como uma relação de dupla mão, acrescentaríamos que a relação de ambos é formada pelo que existe entre aquela mãe, naquelas condições, naquele momento, e aquele bebê específico, com as mesmas variáveis. Senão corre-se o risco de apenas culpabilizar a mãe. Assim, usaríamos o termo maternagem suficientemente boa, como produto da humanização, não mãe suficientemente boa, evitando estigmatizar a mãe e ressaltando a qualidade daquela relação. Falaremos ainda de Bleger, que enfatiza a importância do processo inicial da simbiose mãe/bebê e para que haja uma separação, que ele chamou de dessimbiotização. Ele afirma que uma criança que não pode separar-se adequadamente de sua mãe (dessimbiotizar-se), irá confundir conteúdos que são seus com os conteúdos que são do outro, uma vez que utilizará mecanismos projetivos (que serão explicados adiante) para lidar com o que não aceita em si mesma. Desta maneira, serão pessoas extremamente dependentes do outro. BLEGER (1978) diz que o bebê começa com um estado de indiferenciação com o mundo externo, e que vai desenvolvendo sua identidade e sentido de realidade. Entendemos que esta relação simbiótica não se dá apenas por um bebê dependente mas sim se complementa com uma mãe dependente. O remanescente dessa indiferenciação inicial numa personalidade madura é o responsável pela persistência da simbiose e se manifesta tanto no desenvolvimento normal, como em algumas patologias, variando em grau e intensidade. As perturbações do processo de projeção/introjeção estão na base dos conflitos de dependência/independência, posto que uma pessoa que continua com muitos traços de dependência precisa do outro para projetar seus conteúdos que desconhece por não agüentar e não aceitar vê-los em si mesma. Junto com os fenômenos de projeção/introjeção temos que estudar a formação de condutas do tipo autista simbiótico e o manejo de ansiedades paranóides e depressivas. No autismo precoce infantil a característica fundamental é o retraimento e a distância do mundo externo que se mantém como uma barreira divisória. Tudo o que significa forçar ou romper essa barreira é vivido com grande angústia (BLEGER, 1978). Podemos dizer então que os dependentes do vínculo têm traços narcísicos e autísticos, dado que têm muita dificuldade de ver o outro e o mundo externo como separados de seu mundo interno. Sofrem muito com isto e podem usar drogas como tentativa de voltar a uma relação de simbiose ou usar o outro para buscar essa relação, e atenuar sua angústia como acontece na dependência do vínculo. Assim como no autismo predomina essa relação com os objetos internos e o distanciamento da realidade externa vista como ameaçadora, na simbiose essa relação aparece através da projeção dos conteúdos internos nos objetos externos. Quem projeta tem que ajudar o outro a ter vida para continuar projetando, todavia não uma vida independente, para não perdê-lo. O depositário das projeções tem que ser vivo e morto tal como são os objetos projetados. É isto que vemos na dependência do vínculo, na qual os dois sobrevivem, contudo ninguém pode ter uma vida própria para não quebrar essa defesa tão estruturada. Tanto o vínculo autista como o simbiótico são relações narcísicas, ambos com objetos internos em que se trata de preservar o princípio do prazer e defender-se da intromissão da realidade externa, que aparece como perigosa, uma vez que representa a falta de controle dessa relação. A dependência do vínculo também aparece como uma relação narcísica, apresentando características do vínculo simbiótico, muitas vezes unindo uma pessoa com necessidade de um vínculo simbiótico com outra com vínculo autista, misturando um e outro e revelando o narcisismo no uso do outro para suas próprias necessidades e não numa relação de duas pessoas diferenciadas. VÍNCULO DE DOIS DEPENDENTES Esses vínculos são explicados pela dificuldade de adaptação dos mecanismos de defesa do ego, pois estando esse desestruturado, passam a funcionar de maneira inflexível e muitas vezes, por sua excessiva rigidez, acabam projetando em outra pessoa com o mesmo tipo de dificuldade, não conseguindo assim diferenciar o que é de um ou de outro. Portanto para conhecer a ambos torna-se necessário estudar o vínculo que essas pessoas estabelecem. Ademais, muitos desenvolvem um ego masoquista, que, dominado pelas solicitações do superego, acaba tendo prazer com seu próprio sofrimento ou punição, o que dificulta a mudança de funcionamento, que evita entrar em contato com o desprazer que na realidade ele tem. Podemos ver a ação dos mecanismos de defesa do ego, como a projeção e a identificação projetiva, posto que a pessoa projeta no outro conteúdos que não pode aceitar em si mesma, e vive controlando-o para fiscalizar seus próprios conteúdos. MELANIE KLEIN (1970) diz que a projeção é a mais fundamental dentre nossas garantias ou medidas de segurança contra a sensação de sofrimento, de ser atacado ou de desamparo. Através deste processo, todas as sensações e sentimentos penosos e desagradáveis existentes na mente são automaticamente banidos para fora de nós (KLEIN; RIVIÉRE, 1970). Para reconhecer como nossas, tanto forças destrutivas, quanto aspectos que são de difícil aceitação, é preciso que haja uma separação eu/outro feita de maneira gradual na infância, o que muitas vezes não aconteceu com o dependente. Como não pode tolerar em si mesmo conteúdos agressivos ou frágeis, os projeta no outro, seu companheiro. Como se ele não fosse frágil e necessitado e só encontrasse pessoas frágeis e necessitadas de cuidados por acaso ou por ser uma pessoa muito boa. MELANIE KLEIN (apud LAPLANCHE, PONTALIS, 1967) introduz o termo identificação projetiva, para designar um mecanismo que se traduz por fantasmas (fantasias), em que o indivíduo introduz sua própria pessoa totalmente ou parcialmente no interior do indivíduo para o lesar, possuir ou controlar. Enfatizando que partes do ego (self) são projetadas com o objeto interno. É também importante ressaltar que “a projeção de um objeto capaz de conter uma projeção é pré requisito para projetar-se partes do self no objeto externo.” Nas relações em que se estabelece a dependência do vínculo ambos necessitam projetar e conter projeções. BION (1959, 1962 apud HINSHELWOOD, 1992) diz que existe a identificação projetiva normal e anormal. A diferença dependeria do grau de violência e onipotência na execução do mecanismo. ROSENFELD (1983, apud HINSHELWOOD, 1992) diz que a identificação projetiva é uma função de fantasia envolvida na construção da identidade do self e dos objetos e que tem conseqüências de vulto para as experiências do indivíduo. Esse deslocamento do self pode ser experienciado de várias maneiras: como um grande aferramento ao objeto em que as partes do self acham-se localizadas; a confusão com o outro; ansiedades a respeito do dano causado ao objeto em resultado da intrusão e controle; despersonalização, sensação de estar esvaziado e enfraquecido; sentir o self como estranho e perseguidor. Isto acontece na dependência do vínculo, uma vez que há este grande aferramento ao outro, confusão com este, ansiedade do dano causado, necessidade de reparação, além do estranhamento com o próprio self, também sentido como perseguidor. DISCUSSÃO O conceito de co-dependência fala da compulsão de cuidar e controlar o outro, que é a projeção de si mesmo. É uma constante busca por aprovação para encontrar segurança, sentimento de ter valor e identidade. O início do estudo da co-dependência se dá junto aos familiares de dependentes químicos dado que, como estes precisam de cuidados e muitas vezes de controle externo, nessas famílias ficava mais evidente a presença de cuidadores compulsivos. Como demonstramos, a observação e as pesquisas nessa área indicam que a co-dependência não é restrita a familiares de dependentes, contudo características da co- dependência parecem se desenvolver em ambientes familiares estressantes. Os pensamentos e sentimentos co-dependentes aparecem como uma maneira de sobreviver e lidar com o ambiente hostil, que não ajuda o indivíduo a sentir-se seguro para fazer suas próprias escolhas. Este, fragilizado, não consegue controlar a si próprio, e acaba sem perceber, ficando controlado pela sua preocupação com os outros. Além disto, devido à sua baixa auto-estima e ao modelo de família que não estava disponível para suas necessidades desde criança, busca alguém que não tenha um funcionamento saudável e não preencha suas necessidades . As principais críticas ao conceito são: a sua vinculação a características femininas de cuidar, que não contribuiria para o movimento de independência dessas, sua possível vinculação à indústria das dependências (WETZEL;1990); (FABUMNI et al., 1989 apud ANDERSON, 1994); a falta de fronteiras definidas (HAAKEN, 1990), e que o prefixo “co” vincularia a patologia do dependente químico, ou outra pessoa que estivesse ligada ao co- dependente, a este, como se não fossem duas patologias diferentes. Quando pensamos a co-dependência como uma dependência, podemos remontar sua origem nas relações iniciais do bebê, quando estas, usando as palavras de Winnicott, não são suficientemente boas. Como naquela relação houve dificuldade dos pais de separarem-se de seu bebê (em geral da mãe, com o pai se ausentando, mas pode ser também o contrário, e o pai afastado em geral forma simbiose com outro objeto, seja com uma droga, trabalho, internet, outra pessoa, como sua própria mãe) e como esse processo não foi realizado com tranqüilidade, a criança fica apavorada ao se perceber como uma pessoa separada e vive buscando objetos de simbiose, como o par na dependência do vínculo em que a pessoa vive para evitar o desligamento, sempre controlando o outro. Nessa dificuldade vemos a ação dos mecanismos de defesa do ego, como a projeção e a identificação projetiva, posto que a pessoa projeta no outro conteúdos que não pode aceitar em si mesma, e vive controlando-o para fiscalizar seus próprios conteúdos. EXEMPLO CLÍNICO Xan, é casada há 20 anos com Zé, os dois com 38 anos. Tem um filho adotado e uma filha. Ele já bebia e usava drogas, quando casaram, tanto que o bolo de casamento foi enfeitado com canudos, espelhos, e outra parafernália relativa ao uso de drogas. Ele não trabalha, é dependente de múltiplas drogas e já fez diversos tratamentos. Antes da última internação estava usando álcool e tinha parado com as outras drogas no decorrer dos outros tratamentos, e com a ajuda "divina", que acreditava ser responsável por ele ter largado o crack. Ela nunca usou drogas, gosta só de beber de vez em quando, mas tem evitado por causa dele. Trabalha há vários anos na mesma firma, como faxineira, no período noturno. Ele tem ciúmes e controle doentios da esposa, segundo as palavras de Xan "a doença dele é ela, ele vive em função dela. O assunto dele é ela, nem da filha não fala. Se pudesse daria para ela ouro e diamante. Fica falando que a ama, que a adora, um tipo de amor que é difícil sair." (sic). É com imenso prazer e satisfação que Xan diz que ele não vive sem ela, que não consegue comprar uma roupa sem a sua opinião, por achar tudo que ela faz correto, por que todos a acham uma pessoa boa por cuidar dele e por que ela se acha boa por cuidar dele. Através dessa vinheta clínica, podemos observar, a dependência do vínculo do casal. Ambos tem a mesma necessidade do outro, o que os diferencia é a forma como essa necessidade aparece. Enquanto o marido tem uma atitude socialmente repreensível, a esposa aparece como socialmente adaptada. Porém, na realidade, eles sobrevivem, através de um vínculo simbiótico, pois nenhum dos dois pode modificar a relação. Inconscientemente, ela projeta toda sua fragilidade nele, enquanto que ele para sobreviver, não consegue demonstrar sua competência social, projetada nela. Apesar dela aparecer como saudável, e forte e ele como doente e frágil, ambos são tudo isto, e vítimas e agentes da relação simbiótica. CONCLUSÕES A possibilidade da dependência é da pessoa, contudo, revela-se na não relação com um outro (identificação projetiva) que tenha uma possibilidade semelhante, posto que é uma dependência do vínculo dos dois. Aparece nesse relacionamento com um outro aparentemente complementar que não pode ser visto como uma pessoa separada, mas como algo para preencher suas necessidades, vazios, para ser depositário de suas projeções, e é objeto narcísico. Acontece com homens e mulheres, podendo ser visto em muitos casais, além de relações mães e filhos/filhas; pais filhos/filhas; irmãos e até em relações de amizade, não estando restrita, portanto, à familiares de dependentes. Começa na relação mãe/pai/bebê quando a relação com a mãe ou o pai não é suficiente e necessitando de amparo, acabam formando uma relação de simbiose. Esse bebê, conseqüentemente, não desenvolve um ego estruturado, que por ter se estabelecido sem referenciais, passa a ser dominado por um superego sádico. O ego desenvolve então, mecanismos de defesa rigorosos, e a dependência do vínculo seria um resultado da utilização desses mecanismos, que mesmo trazendo sofrimento para a pessoa, foi a maneira que ela encontrou para sobreviver.  

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Lygia Vampré Humberg Rua Ferreira de Araújo, 407 CEP 05428-001 Fone (11) 3813-0637 celular (11) 9177-9237 E-mail lygiavh@usp.br

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