quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Recado de um drogado

Recado de um drogado

Se as lágrimas escorrem apagando o brilho do seu olhar, não as deixe apagar o seu sorriso, pois existem momentos na vida que nos tornam felizes.
Sabe mãe, não pense que é fácil escrever tudo isso agora, neste momento. Está me mostrando por palavras, esse eu que tanto escondi de você e de todos...
Às vezes a vida prega peças na gente que até Deus duvida.
Eu não queria, é sério, não queria ter tido a vida que tive. Não queria ter conhecido ou me envolvido com as pessoas que me envolvi. Mas quem pede, não é verdade, quem pede? Tantos conselhos, tanto investimento da senhora em minha pessoa e eu me transformei nessa grande quantidade de lixo que sou hoje.
Sei que não é esse o momento, mas desculpa mãe. Desculpa. Peço agora porque nunca teria coragem de pedir olhando nos seus olhos. Jamais gostaria de ter a imagem de seus belos olhos lacrimejados por mim, não. Nunca faça isso, eu não mereço. Não mereço suas lágrimas...
Ninguém ao certo sabe a dor da vida de um viciado, ninguém. Falar, dar conselhos, querer imaginar, é muito fácil... O que sei é que não entrei nessa por vontade, foram as conseqüências da vida. Um amigo, se é que posso chamá-lo assim, certo dia me ofereceu um treco que fez de mim um ser diferente daquilo que eu era. Confesso que gostei e quis experimentar outras vezes e dessas outras vezes fui encontrando outras pessoas que também curtiam esses trecos e outros trecos e quando vi, nossa, já não tinha mais força para voltar... Olhava-me no espelho e o rosto que via já não era mais o meu. Meu corpo, minhas roupas... A escola, o gosto de ontem, tudo havia mudado.
Começou a falta de dinheiro, tudo despencou.
Quantas vezes tive de ir para cama com pessoas que eu nem conhecia, quantas bocas tive de beijar, quantos corpos roçaram no meu sem eu nem querer e tudo isso por causa da droga, por ela, só por ela.
Fiquei sujo, estou sujo, eu sou sujo...
Não sou mais aquele filho que tanto te deu prazer, não sou...
Minhas mãos estão sujas. Matei, roubei, agredi pessoas inocentes...
Neste momento são só alucinações. Vejo bichos e monstros me atormentando o juízo. Se fecho os olhos, eles aparecem, se abro os olhos eles estão logo ali. Se grito eles batem palmas eufóricos, se silencio eles fazem caretas, me beliscam...
E meus amigos onde estão?
Estou só. Na sarjeta e uma vontade de viajar torna amargo o doce de minha boca, agride-me o estômago. É como se para mim não houvesse outra saída.
É tarde e vejo que lá fora o céu está estrelado.
Como gostaria de gritar aqui de cima para tantos outros jovens seguirem outro caminho, outra estrada, curtir outros gostos.
Mãe, minha amada mãe, sua criança inocente foi morta por homens cruéis e impiedosos. Mesmo que agora queira sair daqui, eles me apagam...
Neste momento estou muito louco par ter coragem de fazer o que me tira os nervos. Só lamento a minha alma ficar vagando pelo tempo, a bater na porta do céu e sempre questionar: "São Pedro veio, tem lugar aí no céu pra um drogado?".
Valeu mãe, que um dia a gente possa se encontrar, na eternidade. No momento em que faço essa despedida, deixo a janela aberta, sinto o vento bater em meu rosto, às lágrimas escorrerem de meus olhos, vejo seu rosto e as cordas que pendurei para laçarem meu pescoço...

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