sexta-feira, 22 de abril de 2011

Amor Próprio, Dicionário de Voltaire


Amor Próprio, Dicionário de Voltaire



AMOR PRÓPRIO



Um mendigo dos arredores de Madri esmolava nobremente. Disse-lhe um transeunte:


— O sr. não tem vergonha de se dedicar a mister tão infame, quando podia trabalhar?

— Senhor, – respondeu o pedinte – estou lhe pedindo dinheiro e não conselhos. – E com toda a dignidade castelhana virou-lhe as costas.

Era um mendigo soberbo. Um nada lhe feria a vaidade. Pedia esmola por amor de si mesmo, e por amor de si mesmo não suportava reprimendas.

Viajando pela Índia, topou um missionário com um faquir carregado de cadeias, nu como um macaco, deitado sobre o ventre e deixando-se chicotear em resgate dos pecados de seus patrícios hindus, que lhe davam algumas moedas do país.

— Que renúncia de si próprio! – dizia um dos espectadores.

— Renúncia de mim próprio? – retorquiu o faquir. – Ficai sabendo que não me deixo açoitar neste mundo senão para vos retribuir no outro. Quando fordes cavalo e eu cavaleiro.

Tiveram pois plena razão os que disseram ser o amor de nós mesmos a base de todos as nossas ações – na Índia, na Espanha como em toda a terra habitável.

Supérfluo é provar aos homens que têm rosto. Supérfluo também seria demonstrar-lhes possuírem amor próprio. O amor próprio é o instrumento da nossa conservação. Assemelha-se ao instrumento da perpetuação da espécie. Necessitamo-lo. É-nos caro. Deleita-nos – E cumpre ocultá-lo.


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