domingo, 31 de julho de 2011

Pega na mentira


Quando você vive aqueles momentos de desespero, acreditando que só uma internação salva, quando tudo mais lhe resultou inútil e você não é outra coisa, senão o desespero sentido. Você se socorre e sai por ai pesquisando aonde vai internar a pessoa que está "fora da ordem", conforme você a concebe. Sua cabeça além de estar desordenada, também virou um inferno, mas você não consegue ver nada além da sua própria obssessão. 

Sua falta de controle sobre o que não consegue controlar, devora seus bons e inteligentes pensamentos. Você ficou extremada, cheia de idéias radicais, com desejo manifesto, extremado e exteriorizado quando diz e repete que tem vontade de "mata-lo", que prefere "ele" morto, do que no mundo drogas. Neste momento você se tornou a pior de todas as drogas. Ficou desalmada !

Você já não percebe o que diz e se transformou numa droga mais do que mortífera, virou uma arma de carne e osso, com desejo de matar gente de carne e osso, configurando um pensamento absurdo. A droga permanece, quem deve morrer é o próprio "amado", que é humano. Na relação já não sabe distinguir o ódio do amor, porque estes dois sentimentos estão mesclados. Um ser sem humanidade, é um ser desintegrado. Você não observa a própria loucura. Ficou completamente desorganizada, com a mente desarranjada. Ninguém vai reparar isso e se reparar alguma coisa, não será com o olhar repressivo, rude, agreste, sem sentimentos nobres, como uma pedra, como se enxerga um drogado. O olhar do ódio social, onde o "drogado" é visto sob a velha ótica, viciada e deformada, herdada duma era repressiva, que se instalou no Brasil, pós 64. Esse olhar social está contido, mediante versos, na letra do Hino à Repressão, que ganhou nova versão: 

"E se definitivamente a sociedade Só te tem desprezo e horror, E mesmo nas galeras és nocivo És estorvo, és um tumor Que Deus te proteja És preso comum"...

Ou, talvez, com o olhar policialesco que a sociedade adquiriu, neste processo de desumanização do dependente químico. No ápice de uma crise o olhar é este: "A lei tem motivos /Pra te confinar /Nas grades do teu próprio lar". Cárcere privado é quase que "institucionalizado", gente vai sendo amarrada, outras apanham publicamente, outras em quartos reservados às torturas dos "pacientes" que estão em busca de recuperação. As contradições se acentuam. Bater em um usuário, ou mata-lo, tornou-se indiferente. E você diz: por mim, é menos um!

Pra você, que perdeu a sensibilidade humana, marcada pelo preconceito, drogados são como são vistos e tratados os "Severinos", as "Marias" e "Josés". Que se danem, diz raivosa.

Sem dúvida alguma, a mentalidade histérico-repressiva, o modo dominante de pensar, incutido no seio da sociedade, prejudica o "sentir" e o sentido de "humanidade" que todo codependente tem e perde. No ápice de uma crise você quer trancafia-lo e se auto-justifica: "A lei tem motivos/Pra te confinar/ Nas grades do teu próprio lar".

Não tem bússola, perdeu todos os pontos cardeais, esta sem sul, nem norte e sem sorte na vida. O pessimismo virou companhia...Você chama por Deus e só vê capeta.

O mundo está perdido, repete. A polícia devia matar traficante, pensa. A cracolândia lhe apavora, estremece. Ao ver na TV um corpo desovado, sente horror, gela e treme. Depois que passa, dá graças a Deus. É nesse indo e vindo de contradições, de afirmações e negações que você desperta e diz: alguma coisa morreu dentro de mim. Você vive um pesadelo. 

Drogados são um estorvo, cada viciado um tumor. Você sente uma vergonha danada, parece que todos sabem do seu drama e você passa a falar, como quem quer se justificar de alguma culpa. Só enxerga um culpado em seu jogo de culpas. Na verdade todos estão vivendo um jogo de culpa e a responsabilidade, que era difusa, está nas suas mãos. Você tem que tomar uma atitude. Torna-se violenta, quer esganar o seu bebê, que deixou de chorar, que deixou de mamar para usar droga. Seu ursinho de pelúcia, parece que se perdeu. Dá uma sensação de fracasso. Aquele nojento me paga, pensa alto. Deu pra falar sozinha e nem se deu conta. Está sem chão. Um sentimento de solidão lhe atormenta. Esta vivendo no cinema mudo, vê a vida em preto e branco e ninguém ajuda, ninguém socorre. Cadê os amigos? Porque ele entrou nessa vida? As interrogações lhe consome. Isso chateia, esmaga, é como uma punição este sofrimento. Eu não mereço, diz pra si mesmo...

Você xinga, nada presta, seus nervos estão à flor da pele. Aquele "peste" haverá de lhe pagar caro e você mistura amor e ódio, numa conjunção perigosa para sua saúde mental e de todos. Tudo em volta está preto e branco. A rua está cheia e você está deserta por dentro e sozinha por fora. Nada lhe conforta. Um vazio lhe atormenta. A cabeça ferve e só pensa em sua obsessão. Repentinamente lhe ocorre acessar a internet e sua pesquisa se inicia. Logo aparecem clínicas miraculosas, outras são verdadeiros paraísos, para uma família em que todos discutem e ninguém tem razão, Como em casa que falta farinha.

Seu poder aquisitivo não lhe é favorável. Você pretendia poupar, guardar dinheiro. Você já não sonha. Você se sente como no poema drumoniano, intitulado "José". Agora, ao invés de José, leia-se "Maria", porque tudo que ocorre com Zé, também lhe ocorre, você inverte tudo. Pintam esquecimentos: o que é mesmo que eu ia fazer? se pergunta. Você, por alguns momentos, odeia Carlos Drummond de Andrade. Sua vida virou um drama trágico. Volta a se concentrar nas clínicas de internação. Pensa sozinha: essa merda vai de um jeito, ou de outro, refere-se ao "traste". Voluntária, ou involuntariamente, mas vai. Não existe ordenamento jurídico, nem para ela, nem para donos de clínicas. Você ou ela e quase ninguém sabe que existe um poderoso lobby para adequar as leis, que regulamentam clínicas de internamento. O movimento tem religião, igreja e pastores, que atuam em clínicas, onde são "dizimaticos". 

Essa clínica é cara demais, ela pensa. Ele não vai para uma espelunca qualquer... Tem que aparecer alguma, com fachada bonita. Algo atraente...vai lá, vem cá, sobe e desce, pára, olha...

Você quer paz e a paz só virá no momento que achar o lugar, mas você quer interna-lo de modo que ele não sofra tanto, porque o ato de internação é duro demais. Quer manter sua consciência tranquila. Na verdade, em seu louco amor, embrutecido, você quer sua paz restaurada. Mas você não para de pensar. Essa paz reside em você se livrar de um problema que lhe remói. Continua. Pesquisas e mais pesquisas. Os preços não combinam, outras não possuem uma equipe que lhe transmita confiança. De repente, surge uma clínica colocando para você uma publicidade atraente. Você é do tipo que se alimenta de aparências, como os seres humanos normais e superficiais; não quer saber da essência de nada, principalmente no momento louco da sua pesquisa. De repente: - eureca !

Você acredita que descobriu algo bom e pouco lhe importa a localização, a estação do ano, a distância, para um tratamento assistido, com participação familiar. Nada disso. 

Você manda seu ente "querido" para os quintos dos infernos, livrando-se de responsabilidades futuras. Convoca o resto da família e começa mostrando a equipe que a clínica diz possuir...Vejam as fotos... Que maravilha ! No fundo todos querem se ver livres de problemas e os motivos são diversos e muitos são tão desonestos que não convém a ninguém falar dos seus propósitos verdadeiros. A motivação de alguém é uma indagação singela. Agora pouco importa. Vamos ao que importa: a propaganda enganosa!

Vejam só a foto de um comercial de clínica, no topo publicada, que diz possuir uma equipe em que apenas quatro itens podem ser considerados reais, o que não significa dizer que são verdadeiros. Um terapeuta, dos 12 passos; um monitor, no singular; um GAP, cunhado; uma psicologa e um psiquiatra no mês, para uma clínica de confinamento, numa casa com piscina. A piscina é um enorme comercial e ela nem atenta que em piscina com água gelada, gato escaldado não se joga. Sem saber está caindo no conto do vigário, ou do pastor. Ela sorri, intimamente, e diz: consegui ! Não sabe a merda que conseguiu...

Pobre coitada e pobres coitados, vão dar dinheiro pra Tibério. Vão se lascar e vão arruinar uma, pelo menos, uma vida. Mas essa vida ninguém mais valoriza e até você quer se ver livre dela, quer vê-la o mais distante possível. Longe é ótimo porque servirá para atender inúmeras racionalizações futuras. assim tudo se encaixará, na melhor, ou na pior das hipóteses. "Família substituta"... foi bom demais, pena que não vi isso antes.

Game is over, você venceu, seu familiar foi, ingenuamente, despachado para o inferno, de lá sairá um animal raivoso, brutalizado, mais do que nunca um amante das drogas, ou, do contrário sairá lobotomizado e viverá como se fosse um robot, programado para repetir a palavra amém. Poderá sair bem, se conseguir sair no tempo certo, no momento certo, mesmo diante do tudo errado e, quando sair vai encontrar seu mundo todo bagunçado, de pernas pro ar. Mas o cara sai decidido a não mais usar, aconteça o que acontecer. Em um mês ele assistiu vários filmes, cujos finais a Deus pertence.

Não me queiram mal por ser diferente e falar verdades. O que dói não é dizer verdades, o que dói mesmo é parar de mentir. Fui !
SEM REVISÃO

5 comentários :

  1. Que porra é "família substituta" ? Passa uma idéia de troca, de substituir uma coisa por outra. Dá para explicar?

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  2. Os Arts. 28 a 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente regulam a possibilidade da substituição da família natural pela família substituta, a fim de que esta possa tutelar os direitos e a integridade do menor.

    Assim, "família substituta é aquela que se propõe trazer para dentro dos umbrais da própria casa, uma criança ou um adolescente que por qualquer circunstância foi desprovido da família natural, para que faça parte integrante dela, nela se desenvolva e seja."
    No caso da propaganda, onde aparece esta família, a substituição me soa como uma ironia. É como mandar alguém para a puta que o pariu.

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  3. Queremos propor que crimes de violência cometidos contra dependentes químicos em casas de recuperação sejam tratados como crimes inafiançáveis e ou hediondos. Os dependentes que buscam socorro para se tratar tem sido vítimas de terroristas disfarçados de terapeutas.
    É preciso lei para coibir o preconceito e a discriminação também que fazem com que um cidadão brasileiro que muitas vezes paga seus impostos - pois somente uma parte de nós acaba interditado - tenha que se esconder atrás do anonimato com medo de falar que é portado de uma doença. Precisamos de lei que de segurança ao dependentes químicos de se revelarem socialmente como tal.
    Marcelo da Rocha presidente ADQR associação dos dependentes químocos em recuperação

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  4. Acompanho suas colocações e concordo com elas. Drogas é uma questão antiga. Hoje, anti-cientificamente, desonestamente, com auxilio da imprensa marron,demoniza-se as drogas e drogados. A maconha ainda é motivo de internação involuntária. Os crimes, quase todos, associam às drogas. Não se busca corrigir as chagas sociais. Estou cansado com essa cultura voltada para a violência. A TV, espirra sangue. As consciências estão sendo amoldadas para aceitarmos o extermínio como uma prática normal. Mata-se e as justificativas são racionalizadas atribuindo-se tais crimes como atrelado às drogas. Cracolandia é uma chaga social exposta a céu aberto e o usuário, isso ninguém quer saber, tem um histórico de vida que se desconhece. As famílias estão desestruturadas, a educação nunca é priorizada, lugar de criança é na escola, a sociedade tornou-se perversa. Não buscam solucionar os problemas cortando-se os males pela raiz, indo à fonte de produção. A escola e a saúde pública precisam expandir-se. Essa cultura acabou criando a indústria lucrativa de clínicas geridas por tarados torturadores. É um retrocesso enorme. Proliferam-se esses depósitos de seres humanos. As famílias e familiares optam em descartar seu familiar adicto nesses centros de práticas absurdas. Estão cometendo crimes bárbaros. Tortura já é inafiançável e crime hediondo e as famílias estão embarcando no embalo dessa cultura da violência consentida.Mata-se, tortura-se e a estrutura social é a mesma, não muda nunca. Tanta gente cometendo crimes. Vivemos no mundo dos cowboy, como se vivessemos no velho oeste americano, no faroeste caboclo. Creio que há muita gente incompetente ocupando cargos públicos. Concordo com tudo que disse e a criação de leis humanas, capazes, feitas para coibir abusos contra pessoas indefesas e, por outro lado a sociedade não pode viver dopada, anestesiada pela indiferença. Os males sociais precisam ser resolvidos. Mais do que de violência o que se busca é humanidade. A cultura do preconceito, da desinformação, do atraso, precisa acabar. Drogas são produzidas, onde, como, quando e por quem é preciso saber. Drogas entram pelas fronteiras... Mas a policia se delicia em combater o tráfico matando usuários. Agora se cria um clima histérico para legalizar a violência das internações involuntárias... É interessante conhecermos a ADQR e difundir suas proposições.

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  5. HINO DE DURAN
    (Hino da Repressão)
    Chico Buarque (Brazil) - 1979


    Se tu falas muitas palavras sutis
    E gostas de senhas, sussurros, ardis
    A lei tem ouvidos pra te delatar
    Nas pedras do teu próprio lar

    Se trazes no bolso a contravenção
    Muambas, baganas e nem um tostão
    A lei te vigia, bandido infeliz
    Com seus olhos de raio-x

    Se vives nas sombras, frequentas porões
    Se tramas assaltos ou revoluções
    A lei te procura amanhaã de manhã
    Com seu faro de dobermann

    E se definitivamente a sociedade só se tem
    Desprezo e horror
    E mesmo nas galeras és nocivo
    És um estorvo, és um tumor
    A lei fecha o livro, te pregam na cruz
    E depois chamam os urubus

    Se pensas que burlas as normas penais
    Insuflas, agitas e gritas demais
    A lei logo vai te abraçar, infrator
    Com seus braços de estivador
    Se pensas que pensas (etc.)

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soporhoje10@gmail.com

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