sábado, 16 de julho de 2011

Recordar é viver

Havia chegado no fundo do poço. Estava exausto e decidi pedir ajuda. Tinha um resto de dinheiro e entrei em um supermercado. Comprei uma toalha, sabonete, escova e pasta de dente. Fui até a casa do meu irmão, tomei banho e depois tomei café [neste momento o sangue começou a correr pelas narinas]. Minha cunhada pegou algodão e coloquei no nariz. Não tinha roupas para seguir até a clínica que havia recusado ficar, da primeira vez que lá estive. Agora eu queria. Parei de lutar naquele momento em que amanheci o dia na rua, ainda sob efeito do uso da droga. Não custou muito e meu irmão chegou. Entrei no carro e seguimos. Pouco conversamos e sentia que ele não me recriminava e apoiava minha decisão. Pedi a ele, para comprar cigarro e tomar uma coca-cola. Paramos em um posto e saciei meu último desejo antes de por os pés na clínica. Era minha primeira experiência em matéria de internação. Hoje, verificando meus papéis, achei algumas coisas que escrevi dentro da clínica que considero modelar. Pude ler como eu descrevi a minha chegada, em poucas palavras:

"05/01/10 - Cheguei a VS cansado, com grande sentimento de culpa e muita vergonha. Após a refeição do meio dia fui repousar. Foi um dia difícil.

Poupei palavras. Em um outro escrito fiz um depoimento maior e escrevi, que antes de chegar ao meu destino "estava com medo e ansioso" pois "iria enfrentar uma nova situação". Imaginava como seria lá dentro. Ao chegar "limparam-me. Tiraram meu relógio, documentos e dinheiro. Tive as roupas revistadas, me pesei. Estava com 67 kg. Magro e com feições de um velho."
O momento mais dificil naqueles momentos iniciais foi o da despedida do meu irmão. "Tentei sufocar as lágrimas, não queria que me visse chorando". Este escrito contém um relato longo e mais minucioso. Voltando para os eventos mais significativos pra mim, escrevi o seguinte no dia 06/01/10:
"Não participei das tarefas matutinas e o corpo ainda pedia cama. À noite sentia-me melhor". Guardei quase tudo. Só destruí o que não precisava destruir e eram tudo quanto eu ia escrevendo sobre minha aprendizagem relativa aos doze passos. Guardei intacto meu inventário moral por que é quase uma biografia e, achei que não deveria destruir o mesmo e isso me custou caro. Mas se era para ser honesto e se era para fazer uma reparação indireta, ou até mais de uma, deixei o caderno em que escrevi o inventário ao alcance de que tivesse curiosidade e a mulher foi a mais curiosa. Não custou vir um aborrecimento fruto da verdade. Tenho vivo na memória a sensação agradável que aquele lugar transmitia e irradiava. Do Aquário, das palestras, dos profissionais competentes, das enfermeiras, dos nossos seguranças, da lagoa, da fartura de lugares para sentar e ler um bom livro, em momentos de intervalo pois a terapia era intensa. As reuniões e as partilhas. Era tão diferente do que fui encontrar em São Paulo. Não me convém mais ficar lembrando. O que passou, passou. 

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