quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Racionalização e Isolamento - Mecanismos de Defesa

RACIONALIZAÇÃO

"Existe em nós uma luta constante para dar sentido ao nosso próprio mundo de experiências, uma procura de explicações para nossos fenômenos internos, nossos comportamentos e sentimentos. Para satisfazer essa busca, evitando a angústia e mantendo o autorrespeito, criamos “explicações” altamente racionais para fatores emocionais e motivacionais, para justificar nosso eu (ego); buscamos “boas razões”, ainda que falsas, para nossas atitudes e fracassos.

Tal acomodação ao conflito é o que chamamos de racionalização. São exemplos de racionalização: um rapaz que viaja de graça em um ônibus e busca várias justificativas para seu ato como “a passagem é muito cara”, “a empresa já tem muito dinheiro”, “eu pago passagem todo dia, um dia a menos não vai fazer diferença”, “o ônibus está lotado, não vou passar pela borboleta, vou ficar aqui mesmo”; outro exemplo seria um aluno que, não conseguindo responder a uma questão, diz “isso não é interessante de saber mesmo”, “não respondi porque não tive tempo de estudar, pois lá em casa fazem muito barulho”; outro exemplo ainda é alguém que não consegue algo que deseja e logo se justifica dizendo que, na verdade, não queria aquilo; ou um rapaz que foi dispensado por uma garota, da qual estava a fim, logo diz “ela nem era tão boa assim, era até feia, não sei como fui gostar dela”.

A racionalização sobre algum fato não é apenas uma simples “explicação”, ela envolve um conjunto complexo de “explicações”, evitando assim ataques, ou seja, se uma for destruída haverá outra para substitui-la. O que difere a racionalização da dissimulação é o fato de que tais “explicações” não são simples mentiras, geralmente não estamos em boas condições e nem temos a intenção de enganar, simplesmente não estamos conscientes das deformações em nosso pensamento. Ela também pode ser confundida com a razão, apesar de não existir uma linha muito clara que diferencie as duas, e de que a razão também pode ser influenciada por fatores emocionais e motivacionais, na racionalização há uma nítida preocupação em justificar a si mesmo; consequentemente tomamos uma atitude agressiva contra os contestadores de tais “explicações”, uma vez que são as defesas de nosso ego."

ISOLAMENTO


É o mecanismo de defesa que envolve uma “separação de sistemas” para que os sentimentos perturbadores possam ser isolados, de tal forma que a pessoa se torna completamente insensível em relação ao acontecimento sublimado e comente-o como se tivesse acontecido com terceiros. Nosso pensamento parece capaz, em certas circunstâncias, de manter, lado a lado, dois conceitos logicamente incompatíveis, sem tomarmos consciência de suas gritantes divergências, o que também chamamos de “comportamentos lógicos de estanques”.

É um processo de isolar uma, dentre as várias partes do conteúdo mental, de tal forma que as interações normais que ocorreriam entre elas se reduzam e assim os conflitos sejam evitados. Um exemplo seria um ladrão que rouba e não experimenta os sentimentos de culpa que estão ligados a esse ato. Outro exemplo seria um filho que, após a morte de sua mãe, fala com uma frequente e enorme naturalidade sobre a morte dela.

Outros mecanismos de defesa

Com o passar do tempo, outros mecanismos de defesa foram apresentados, sendo, em parte, variações dos mecanismos acima apresentados:

Intelectualização: "Eu sei, eu já li tudo isso! Não é bem assim, tem muita discussão nova!". É quando se lida de modo intelectual com o problema, afastando os afetos; assemelha-se ao isolamento e à racionalização.

Introjeção: mecanismo de defesa quase que oposto à projeção. Trata-se de aceitar os conteúdos projetados como se fossem verdades do ego. Tudo que agrada é introjetado. Percebendo esse fato, o ego aprende a usar a introjeção para fins hostis como executora de impulsos destrutivos e também como modelo de um mecanismo definido de defesa. Na depressão, pode-se notar o quanto a pessoa faz e fez uso da introjeção.

Anulação: ações, rituais mágicos que contestam ou desfazem um dano que o indivíduo imagina que pode ser causado por seus desejos. Exemplo: fazer o sinal da cruz para afastar um pensamento pecaminoso.

Deslocamento: consiste em transferir as características ou atributos de um determinado objeto para outro objeto. Exemplo: receber uma bronca do chefe e, assim que chegar em casa, chutar o cachorro como se ele fosse o responsável pela frustração.

Idealização: consiste em atribuir a outro indivíduo qualidades de perfeição, vendo o outro de modo ideal. É o que fazem os adolescentes com seus ídolos, a quem consideram perfeitos.
Conversão: consiste em uma transposição de um conflito psíquico e uma tentativa de resolução desse conflito por meio de expressões somáticas como dores de cabeça. Passa-se o problema da mente para o corpo.

Substituição: o inconsciente oferece à consciência um substituto aceitável para ela e por meio do qual ela pode satisfazer o id ou o superego. É a satisfação imaginária do desejo. Processo pelo qual um objeto valorizado emocionalmente, mas que não pode ser possuído, é inconscientemente substituído por outro, que geralmente se assemelha ao proibido. É uma forma de deslocamento. Um exemplo é o bebê chupar o dedo ou a chupeta para sentir o prazer como se estivesse no seio da mãe.

Fantasia: é um processo psíquico em que o indivíduo concebe uma situação em sua mente, que satisfaz uma necessidade ou desejo, que não pode ser, na vida real, satisfeito. Exemplo: Um homossexual que precisa manter o casamento e que, quando procurado pela esposa para o sexo, fantasia que está tendo relações homos e não héteros durante o ato. Fantasiar pode ajudar em certos conflitos psicológicos, mas não "resolve" o conflito. Certas pessoas podem passar a vida inteira fantasiando, mas, quando caem na realidade, o conflito retorna.

Compensação: é o processo psíquico em que o indivíduo se compensa por alguma deficiência, pela imagem que tem de si próprio, por meio de um outro aspecto que o caracterize, que ele, então, passa a considerar como um trunfo. Exempo: um aluno ruim nos esportes se consola por ser bom em matemática.

Expiação: é o processo psíquico em que o indivíduo quer pagar pelo seu erro imediatamente.

Cisão: é a separação dos aspectos bons e maus do outro. Exemplo: devemos odiar o pecado e amar o pecador.

Resistência: é o processo de resistência ao trabalho terapêutico, no qual o paciente tenta manter no inconsciente os acontecimentos esquecidos.

Transferência: representa o motor da cura e pode ser vista como a repetição, face ao analista, de atitudes emocionais, inconscientes, amigáveis, hostis ou ambivalentes, que o paciente estabeleceu na sua infância, no contato com os pais e com as pessoas que o rodeiam. Um exemplo pode ser a menina que não teve pai ser muito apegada ao namorado, fazendo então uma transferência, passando todos os sentimentos e ações para o namorado, como se fosse um pai.

Contratransferência: trata-se de uma resposta do analista à transferência do paciente, mas que designa também, de forma mais geral, o conjunto das reações inconscientes do analista perante o paciente.

Recalque: exclusão de ideias, sentimentos e desejos que o indivíduo não quisera admitir e que no entanto continuam a fazer parte da vida psíquica. É semelhante à repressão. Certos traumas e conflitos não resolvidos são recalcados e, se não forem resolvidos, podem se tornar neuroses, psicoses ou doenças psicossomáticas

Crédito: Wikipédia 


MEDITAÇÃO DIÁRIA, Narcóticos Anônimos, Quarta, 28/11/2012

                                             Saindo da rotina


"Somos verdadeiramente humildes quando aceitamos e tentamos, honestamente, ser quem somos."

Humildade é um conceito enigmático. Sabemos bastante sobre humilhação, mas humildade é uma idéia nova. Ela parece ser, suspeitosamente, “submeter-se”, “dobrar-se”, “rastejar”. Mas a humildade não é isto. A humildade é, simplesmente, aceitação de quem somos.

No momento em que chegamos a um passo que usa a palavra “humildemente”, já começamos a colocar este princípio em prática. O Quarto Passo nos dá uma oportunidade de examinar quem realmente somos, e o Quinto nos ajudará a aceitar este conhecimento.

A prática da humildade envolve aceitar nossa própria natureza, sendo honestamente nós mesmos. Não temos que nos humilhar ou nos rebaixar, nem temos que tentar parecer mais inteligente, rico ou feliz do que realmente somos. Humildade simplesmente significa abandonar todas as pretensões e viver tão honestamente quanto pudermos.

Só por hoje eu vou permitir que o conhecimento de minha natureza guie minhas ações. Hoje, eu vou encarar o mundo sendo eu mesmo.



terça-feira, 27 de novembro de 2012

MECANISMOS DE DEFESA

Mecanismo de defesa ou ajustamento designa em psicologia em geral e na teoria psicanalítica em particular as ações psicológicas que têm por finalidade reduzir qualquer manifestação que pode colocar em perigo a integridade do ego, onde o indivíduo não consiga lidar com situações que por algum motivo considere ameaçadoras. São processos subconscientes ou mesmo inconscientes que permitem à mente encontrar uma solução para conflitos não resolvidos no nível da consciência. As bases dos mecanismos de defesa são as angústias. Quanto mais angustiados estivermos, mais fortes os mecanismos de defesa ficam ativados.

Um conflito cria em nós certa angústia. Essa angústia é o que nos motiva a resolver esse problema. Porém nem sempre o indivíduo é capaz de resolver um problema de forma imediata e direta, pois nossos problemas pessoais não podem ser resolvidos através somente da razão. Isso se dá pelo fato de que os problemas pessoais têm um certo envolvimento emocional que diminui nossa objetividade, e consequentemente somos levados a resolvê-los de forma indireta e tortuosamente, buscando um ajustamento, a fim de adaptar-nos às exigências que nos são impostas pela sociedade em que vivemos. Tais processos adaptativos são o que chamamos de mecanismos de defesa. Os mecanismos mais comuns são a Repressão, a Regressão, a Projeção, a Formação Reativa e a Sublimação.[1]

[1]  You're getting defensive again! Anna Freud (1946) "The ego and mechanism of defense" cit. Hook (1994) pg. 230-236
Crédito : WIKIPÉDIA

Observação: "a página ou secção foi marcada para revisão, devido a inconsistências e/ou dados de confiabilidade duvidosa(desde fevereiro de 2008). Se tem algum conhecimento sobre o tema, por favor, verifique e melhore a consistência e o rigor deste artigo. Considere utilizar {{revisão-sobre}} para associar este artigo com um WikiProjeto e colocar uma explicação mais detalhada na discussão." A página ou secção não cita nenhuma fonte ou referência, o que compromete sua credibilidade (desde julho de 2010).

Meditação do Dia, Narcóticos Anônimos, 27/11/2012

Crédito da foto: site Volkswagen 


Responsabilidades

"Num só dia acontecem muitas coisas, coisas positivas e coisas negativas. Se não dermos a nós próprios a oportunidade de apreciar ambas, perderemos decerto algo que nos ajudará a crescer." 
IP nº 8, Só por hoje

Responsabilidades, responsabilidades - as responsabilidades da vida estão em toda a parte. "É suposto" usarmos cintos de segurança, "é suposto" limparmos a nossa casa, "é suposto" fazermos certas coisas pela nossa mulher, pelas nossas crianças, pelas pessoas que apadrinhamos. Além de tudo isto, "é suposto" irmos a reuniões e praticarmos o programa o melhor que pudermos. Não admira que por vezes nos apeteça fugir de todas estas tarefas e escaparmo-nos para uma ilha deserta onde não "é suposto" fazermos nada! Nessas alturas, quando nos sentimos esmagados pelas nossas responsabilidades, esquecemo-nos de que elas não precisam de ser um incomodo. Quando quisermos fugir das responsabilidades, precisamos de acalmar, de nos lembrarmos o motivo por que as escolhemos, e de prestar atenção à dádiva que elas nos trazem. Quer seja um emprego que normalmente achamos desafiador e interessante, ou um parceiro cuja personalidade nos entusiasma, ou uma criança com a qual naturalmente gostamos de brincar e cuidar, podemos encontrar alegria em todas as responsabilidades das nossas vidas.

Só por hoje: Cada momento é especial. Vou prestar atenção às minhas responsabilidades e às alegrias especiais que elas me dão.


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Meditação Diária, Narcóticos Anônimo, 23/11/2012



Vontade de Deus

"O alívio de ‘abrir mão e entregar a Deus’ ajuda-nos a desenvolver uma vida que vale a pena viver."

Texto Básico, pág. 28
 Em nossa adicção, tínhamos medo do que pudesse acontecer se não controlássemos tudo à nossa volta. Muitos de nós criamos elaboradas mentiras para proteger nosso uso de drogas. Alguns de nós manipulamos todos à nossa volta, numa tentativa de frenética de conseguir deles alguma coisa para poder usar mais drogas. Outros percorrem grandes distâncias para impedir duas pessoas de se falarem, descobrindo talvez nossa trilha de mentiras. Nos empenhamos arduamente em manter uma ilusão de controle sobre nossa adicção e nossas vidas. Neste processo, nos privamos de experimentar a serenidade que vem da rendição à vontade de um Poder Superior.

Em nossa recuperação, é importante abrir mão de nossa ilusão de controle e nos render a um Poder Superior, cuja vontade para nós é melhor que qualquer coisa que possamos conseguir, controlar, manipular ou inventar para nós mesmos. Se percebemos que estamos tentando controlar resultados e sentindo medo do futuro, existe uma atitude que podemos tomar para reverter essa tendência. Vamos para nosso Segundo e Terceiro Passos e procuramos aquilo em que viemos a acreditar sobre um Poder Superior. Realmente acreditamos que este Poder pode cuidar de nós e nos devolver à sanidade? Se sim, podemos viver com todos os altos e baixos da vida – suas decepções, suas tristezas, suas maravilhas e suas alegrias.

Só por Hoje: Eu vou me render e deixar que à vontade de meu Poder Superior aconteça em minha vida. Eu vou aceitar a dádiva da serenidade que esta rendição traz.

Reflexões Diárias, Alcoólicos Anônimos, 23/11/2012


LEVANTE A CABEÇA PARA A LUZ

“Acredite mais profundamente: Levante a cabeça para a Luz, ainda que no momento você não possa ver.”  
NA OPINIÃO DO BILL, p. 3


Num domingo de outubro, durante minha meditação matinal, olhei pela janela a árvore de freixo no pátio da frente. Uma vez mais fui vencido pela sua magnífica cor dourada! Enquanto olhava com Admiração a obra de arte de Deus, as folhas começaram a cair e, dentro de minutos, os galhos estavam nus. A tristeza me assaltou quando pensei nos meses de inverno à frente, mas enquanto estava refletindo no processo anual do outono, a mensagem de Deus apareceu. Como as árvores, despidas de suas folhas no outono germinam novas flores na primavera, eu, despojado de meus modos compulsivos e egoístas removidos por Deus, posso florescer como um sóbrio e alegre membro de A.A..

Obrigado, Deus, pela mudança das estações e por minha vida em mudança contínua.
REFEXÕES DIÁRIAS, p. 336


Crédito: Alcoólicos Anônimos - Área Piauí

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Meditação Diária - Narcóticos Anônimos (NA)


Segunda-feira, 19/11/2012
A linguagem da empatia 

"... o adicto podia encontrar, desde o início, toda a identificação necessária para se convencer de que podia manter-se limpo, através do exemplo de outros em recuperação há vários anos."
 Texto Básico, p. 99

Muitos de nós fomos à primeira reunião e, por não ficarmos inteiramente certos de que NA seria para nós, arranjamos imensas coisas para criticar. Ou achávamos que ninguém tinha sofrido tanto como nós, ou então que não tinham sofrido o suficiente. Mas, à medida que fomos ouvindo, começamos a ouvir algo novo, uma linguagem silenciosa que tem as suas raízes no reconhecimento, na crença e na fé: a linguagem da empatia. Por desejarmos pertencer, continuamos a escutar. Encontramos toda a identificação de que precisamos à medida que vamos aprendendo a compreender e a falar a linguagem da empatia. Para entendermos esta linguagem especial, ouvimos com o coração. A linguagem da empatia utiliza poucas palavras; sente-se mais do que se fala. Não prega nem dá lições de moral - ela ouve. Pode chegar a um adicto e tocar-lhe no espírito, sem dizer uma única palavra. A fluência na linguagem da empatia advém da prática. Quanto mais a utilizamos com outros adictos e com o nosso Poder Superior, melhor a compreendemos. Ela faz com que voltemos. 

Só por hoje: Vou ouvir com o coração. Com cada dia que passa vou tornar-me mais fluente na linguagem da empatia.


domingo, 18 de novembro de 2012

Reflexões Diárias, Alcoólicos Anônimos

Domingo, 18/11/2012

Reflexões Diárias
   
18 de Novembro

UMA REDE DE SEGURANÇA

Às vezes... somos acometidos por uma rebelião tão mórbida que simplesmente não rezamos. Quando estas coisas acontecem, não devemos ser demasiadamente rigorosos conosco. Devemos apenas voltar à prática da oração tão logo pudermos, fazendo o que sabemos ser bom para nós.

OS DOZE PASSOS E AS DOZE TRADIÇÕES
p. 93
Algumas vezes grito, bato o pé e dou as costas para o meu Poder Superior. Então minha doença me diz que sou um fracasso e que, se continuar zangado, com certeza irei beber. Nesses momentos de obstinação é como se eu estivesse escorregando de um penhasco e uma mão me apanhasse. A mensagem acima é a minha rede de segurança, no sentido de que me instiga a tentar algum novo comportamento, como o de ser amável e paciente comigo mesmo. Ela me garante que meu Poder Superior esperará até eu estar disposto mais uma vez a arriscar a me entregar, cair na rede e rezar.

REFEXÕES DIÁRIAS, p. 331

O gozo mortífero do Crack


15/11/2012

Mônica Simões

Como profissional da saúde, pesquisa com adolescentes usuários de drogas/moradores de rua, além de ter desempenhado a função de educadora social por um ano numa unidade 'socioeducativa'l para adolescentes em conflito com a lei - conflito este em sua maioria pelo tráfico ou uso de entorpecentes, tendo como carro chefe o crack, dividirei o que constatei em minha vivência com os "crackeiros" nos últimos anos.

Vivenciamos um caso de saúde pública e de educação, principiada no individualismo, no caos social, e, em hipótese alguma podemos enxergar no usuário de crack, objeto criminal.
Creio haver fases e momentos em nossas vidas. Eu, por exemplo, usei droga quando adolescente e não fiquei maculada como "drogada" ou "toxicomona", porque o que houve comigo e com a grande maioria dos adolescentes de minha geração foi passageiro. Continuei estudando, trabalhando, e, como muitos amigos, vivenciando meus projetos e ideais. A droga ficou como um momento de desacerto emocional, psíquico, entre mim e o mundo que me rodeava, uma fuga momentânea, rápida.

Mas, há casos em que a dor do viver é tão profunda, tão penetrante, que o indivíduo se torna dependente daquele torpor, daquele estado que ameniza seu sofrimento de viver e é ali num mundo de "viagens" que lhe é mais suave estar. E a mensagem que ele quer passar à família e à sociedade é a de que está doente. E a droga é o meio que encontra para pedir socorro, ajuda, pois quer a suspensão da dor de estar vivo.

O viciado em crack busca um sofrimento menor do que o vivenciado sem a droga, uma proteção para sua decadência moral e emocional. O crack passa a ser o analgésico para enfrentar o dia a dia, pois viver é muito doído, custoso e difícil, ainda mais de forma íntegra e digna. Integridade, dignidade: ... famílias desestruturadas, barracos deslizando morro abaixo, segregação racial e social, desemprego, latas vazias, violência policial, necessidades várias e excessos de faltas. Resiste-se por algum tempo nas migalhas do Estado, inserindo-se nas franjas sociais, até que se sucumbe e ponto.

O jovem pobre, negro, favelado e morador das periferias está fora do mercado digno de trabalho, está fora dos espaços sociais, está fora de ter, de ser alguém, ele está fora, ele está fora... Ele só está dentro é do "movimento" das bocas, dos "centros socioeducativos" e das cadeias, ajudando em sua superlotação. E saem e voltam para esses espaços com uma facilidade assustadora, provando para quem queira ver, o fracasso da penalização do traficante e do usuário de drogas. E se conseguir se manter sem recaídas aqui fora, ainda assim, continuará excluído, porque isso de 'reinserção social' é balela, letra morta, coisa de ONGs com outros interesses, pois não se reinsere quem nunca esteve inserido.

As drogas sempre foram usadas por todas as classes sociais, por ricos e pobres, mas associadas às minorias: ópio aos chineses, maconha aos mexicanos, cocaína aos negros e favelados, crack aos miseráveis. Daí, explicam-se tantas prisões de pobre e preto.

Estamos caminhando para o caos social e a situação é dramática. Esses meninos e meninas pobres com as pontas dos dedos amareladas pelo uso do crack, nada mais são que o efeito colateral de uma sociedade omissa para com a população que vive em favelas e periferias dos grandes centros, que sobrevivem e se viram como camelôs, traficantes, gerentes de bocas, prostitutas, "catireiros" e tantas outras "funções". A vida digna é inviabilizada devido a este sistema excludente, que coloca à deriva essa parcela - dentre outras - de jovens e adolescentes pobres e miseráveis. Não faltam leis, não faltam planos, faltam debates políticos sérios. Os discursos que tenho ouvido acerca desse problema, são simplistas demais e soam ainda como ferramenta para a legitimação das desigualdades sociais, numa retórica conservadora e preconceituosa, que apenas demonstra a irracionalidade política que inferioriza e criminaliza a pobreza. Os jovens pobres e negros sofrem então duas vezes: uma pela mão do Estado e outra pela criminalização de sua condição social e cor.


Em 1994, havia cerca de 110 mil presos no Brasil. Hoje, este número é cinco vezes maior. Creio se dever a uma política preventiva, que trabalha o conflito social pelo olhar penal. Confundem justiça com punição e punição com privação de liberdade e nem imaginam o que rola dentro das prisões. Essa política de prender leva-me a crer na imagem da demonização das áreas faveladas, o "grande vetor para encarceramento da população pobre". E, aos usuários presos, não é dado novas oportunidades, nem quando estão sob liberdade, pois ficam de fora de todas as dimensões de reparação para com ele, que também é vítima, apesar de transgressor de leis e regras do convívio social.

É preciso retomar discussões mais sérias acerca deste assunto, de forma menos reacionária e eleitoreira.

Talvez penas alternativas para o pequeno e médio traficante, controle sobre o consumo pessoal, redução de danos de quem usa o crack e acolhimento no tratamento voluntário seja o início de uma discussão real, voltada não para as elites, mas para os interessados em modificar este quadro triste que estamos ajudando a esboçar com nossa visão torpe, defeituosa, ignorante e egoísta.

Essa galera que está aí pelas ruas, perambulando como zumbis, nada mais são que vítimas desta esquizofrenia da era moderna, desse sistema que a muitos mata e a poucos basta. Necessário se faz outra visão e outro viés discursivo. O acesso ao crack é fato, tornando-se impossível controlar a demanda de compra e venda, o mercado de oferta e procura... é o capitalismo né?! Mesmo para os miseráveis há que existir o consumo. Precisamos analisar em que contexto seria menos mal lidar com a realidade do acesso a esta droga, focando os usuários como objeto de saúde pública e educação e não como casos de polícia.

Não nos livraremos dos efeitos destrutivos do crack, mas poderemos aprender a conviver melhor com seus usuários e tentar minimizar o sofrimento humano que seu abuso provoca.

Eu convivi com eles, os "crackeiros", ouvi suas histórias, suas dores, suas neuroses, seus choros, gritos e desesperos. Vi seus surtos, suas insônias, suas saídas, suas misérias, suas recaídas, seus retornos, suas tristezas e suas mortes. Acho-os sobreviventes do caos urbano e social, guerreiros confusos que não aceitaram de pronto o papel que a sociedade lhes deu, preferindo muitas vezes o ato infracional, a fuga através da droga ou a morte à indignidade de viver sem integridade. Honestamente... não sei se faria diferente no lugar deles...

Fonte: http://conscienciapoliticarazaosocial.blogspot.com/2012/11/o-gozo-mortifero-do-crack-violencia-tem.html

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Narcóticos Anônimos, Meditação Diária

15/11/2012  
Entrega
"Tomai a minha vontade e a minha vida. Guiai-me na minha recuperação. Mostrai-me como viver."

Texto Básico, p. 30 


Como é que iniciamos o processo de deixar o nosso Poder Superior orientar as nossas vidas? Quando procuramos conselhos sobre situações que nos perturbam, costumamos descobrir que o nosso Poder Superior funciona através dos outros. Quando aceitamos que não temos todas as respostas, abrimo-nos a novas e diferentes opções. Uma boa-vontade para largarmos as nossas ideias e opiniões pré-concebidas permite que a orientação espiritual guie o nosso caminho. Há alturas em que temos de ser levados a um ponto de desespero, antes de estarmos prontos a entregar as situações difíceis ao nosso Poder Superior. Conspirar ansiosamente, lutar, planear, preocuparmo-nos - nada disto é suficiente. Podemos ter a certeza de que, se entregarmos os nossos problemas ao nosso Poder Superior, ao ouvirmos os outros partilhar as suas experiências, ou no silêncio da meditação, as respostas hão-de chegar. Não vale a pena viver uma existência frenética. Atravessar a vida como se fosse uma casa a arder, deixa-nos exaustos, e não nos leva a lado nenhum. Nenhuma manipulação da nossa parte acabará por mudar as situações. Quando entregamos e permitimos a nós mesmos o acesso ao nosso Poder Superior, vamos descobrir a melhor maneira de agir. Podemos ficar descansados, que as respostas oriundas de uma base espiritual sã serão muito superiores a quaisquer respostas que nós próprios pudéssemos fabricar.

Só por hoje: Vou entregar, e deixar o meu Poder Superior orientar a minha vida.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Reflexões Diárias de Alcoólicos Anônimos, 15/11/2012


MANUTENÇÃO VITAL

Aqueles de nós que estão se utilizando regularmente da oração seriam tão incapazes de dispensá-la como ao ar, ao alimento ou à luz do sol, tudo pela mesma razão. Quando recusamos ar, luz ou alimento, o corpo sofre. Se virarmos as costas à meditação e à oração, também estamos negando às nossas mentes, emoções e intuições, um apoio imprescindível.

OS DOZE PASSOS E AS DOZE TRADIÇÕES

O Décimo Primeiro Passo não precisa me esmagar. O contato consciente com Deus pode ser tão simples e tão profundo como o contato com outro ser humano. Posso sorrir. Posso escutar. Posso perdoar. Todo encontro com o outro é uma oportunidade para a oração, para reconhecer a presença de Deus dentro de mim.

Hoje posso me aproximar um pouco mais do meu Poder Superior. Quanto mais procuro a beleza do trabalho de Deus nas outras pessoas, mais seguro estarei de Sua presença.

Crédito: Grupo Carmo-Sion de Alcoólicos Anônimos

domingo, 11 de novembro de 2012

DANOS CAUSADOS PELO USO DO CRACK

EFEITOS E CONSEQUÊNCIAS

NEUROLÓGICOS E PSICOLÓGICOS

Ilustração subjetiva, sobre os dilemas psicológicos de um dependente
Crédito da imagem: Portal Brasil


O uso do crack pode prejudicar as habilidades cognitivas (inteligência)envolvidas especialmente com a função executiva e com a atenção. Este comprometimento altera a capacidade de solução de problemas, a flexibilidade mental e a velocidade de processamento de informações.

A literatura científica sobre os efeitos neurológicos e psicológicos do crack demonstra que a droga pode causar danos às funções mentais, com prejuízos à memória, atenção e concentração. Segundo o pesquisador Felix Kessler, do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é muito comum o desenvolvimento e agravamento da impulsividade, o que leva os indivíduos a fazerem escolhas mais imediatistas, sem avaliar as conseqüências para o futuro. "Em muitos casos, dependendo da predisposição genética, os indivíduos desenvolvem sintomas psiquiátricos, psicóticos e ansiosos, como depressão, delírios e ataques de pânico", diz o especialista.

O psiquiatra afirma, ainda, que o uso da droga pode provocar transtorno bipolar, resultado do mecanismo de rápida e intensa euforia, logo após o uso da droga, que logo é substituída pela depressão, quando o usuário está em abstinência. “Os danos causados tendem a persistir por meses e até anos depois que o individuo deixou a droga. Já os sintomas psiquiátricos podem desaparecer com mais facilidade, exceto para os indivíduos que tenham predisposição para esse tipo de doença.”

Alcoólicos Anônimos - Reflexões Diárias, 11/11/2012



ACEITAR A SI MESMO

Sabemos que o amor de Deus vela sobre nós. Enfim, sabemos que quando nos voltarmos para Ele, tudo estará bem conosco, agora e para sempre.

OS DOZE PASSOS E AS DOZE TRADIÇÕES

Rezo para estar sempre disposto a recordar que sou filho de Deus, uma alma divina numa forma humana, e que a tarefa mais urgente e básica na minha vida é aceitar, conhecer, amar e cuidar de mim mesmo. Quando me aceito, estou aceitando a vontade de Deus. Quando me conheço e me amo, estou conhecendo e amando a Deus. Quando cuido de mim, estou agindo sob a orientação de Deus. Rezo para ter disposição de abandonar minha arrogante autocrítica e louvar a Deus humildemente, aceitando-me e cuidando de mim mesmo.

Crédito: Grupo Carmo-Sion de Alcoólicos Anônimos

Narcóticos Anônimos - Meditação Diária - 11 de novembro de 2012


Da rendição à aceitação

"Nós nos rendemos calmamente, e deixamos que Deus, da maneira que compreendemos, cuide de nós"
Texto Básico, pág. 28


Rendição e aceitação são parecidas com paixão e amor. A paixão começa quando encontramos alguém especial. A paixão requer apenas o reconhecimento do objeto de nossa paixão. Para a paixão se tornar amor, entretanto, é preciso um grande esforço. A ligação inicial deve ser lenta, pacientemente nutrida para se tornar um laço sólido e duradouro.

Acontece o mesmo com a rendição e a aceitação. Nos rendemos quando reconhecemos nossa impotência. Lentamente, viemos a acreditar que um Poder Superior a nós mesmos pode nos dar o cuidado de que precisamos. A rendição se transforma em aceitação quando deixamos este Poder entrar em nossas vidas. Examinamos nossas vidas e deixamos nosso Deus nos ver como somos. Tendo permitido que o Deus de nossa compreensão conhecesse nosso interior, aceitamos mais seus cuidados. Pedimos a este Poder para nos aliviar de nossos defeitos e nos ajudar a reparar o mal que fizemos. Então, iniciamos uma nova maneira de viver, aumentando nosso contato e aceitando a orientação, o cuidado e a força contínuos de nosso Poder Superior.

A rendição, assim como a paixão, pode ser o início de um longo relacionamento. Para transformar rendição em aceitação, entretanto, temos que deixar Deus de nossa compreensão cuida de nós a cada dia.

Só por Hoje: Minha recuperação é mais paixão. Eu me rendi. Hoje, eu vou nutrir meu contato consciente com meu Poder Superior e aceitar seu cuidado contínuo por mim.

Crédito da foto: Hoje Só Por Hoje

OS DANOS NEUROPSICOLÓGICOS CAUSADOS PELO USO CRÔNICO DO CRACK

Por Camila Louis Oliveira


RESUMO
Este  trabalho  tem  como  objetivo  descrever  os  danos  neuropsicológicos  causados  pelo  uso crônico do crack. O crack é uma droga estimulante do sistema nervoso central que afeta as funções cognitivas,  principalmente,  a  atenção,  memória  e  as  funções  executivas.  Muitas  pesquisas  também apontam para prejuízos nas tarefas de nomeação, na capacidade de abstração, novas aprendizagens, fluência verbal, destreza manual e integração viso-motora. Estes déficits não podem ser ditos como permanentes, pois após um longo período de abstinência é possível que a neuroquímica e o cérebro vascular se regularizem, retornando ao seu funcionamento normal e o usuário pode recuperar as suas capacidades neuropsicológicas.

INTRODUÇÃO

O crack resulta da mistura de cocaína com bicarbonato de sódio, pode ser produzido tanto da pasta básica da coca, quanto do pó já refinado. Em sua fórmula há elementos corrosivos como solução de bateria e solvente e também pó de vidro e medicamentos. É uma droga estimulante do sistema nervoso central (SNC), seus efeitos são de intensa euforia, exaltação da energia e libido, sensação de onipotência.

Há diferentes vias de administração da cocaína e os efeitos e riscos de complicações podem variar, o crack é mais potente do que as outras formas de uso. A administração é realizada através de  cachimbos  onde  o  usuário  inala  a  fumaça  resultante  da  queima  da  pedra  (Figlie,  Bordin  e Laranjeira,  2004)  Segundo  Lambert  e  Kinsley  (2006)  estudos  de  neuroimagem sugerem que  o efeito psicológico da cocaína está associado à velocidade com que a droga afeta o organismo e não a quantidade de droga consumida. A absorção do crack no organismo é instantânea, alcança o pulmão e cai imediatamente na circulação sanguínea cerebral, esse processo leva em torno de 8 a 12 segundos e o efeito da droga perdura de 5 a 10 minutos. Em pouco tempo de uso o individuo passa a sentir a fissura, vontade incontrolável de sentir os efeitos da droga, que no caso do crack é  uma  compulsão  avassaladora,  fazendo  com  que  o  usuário  chegue  a  fumar  de  vinte  a  trinta pedras por dia.Além da euforia e do prazer, esta potente droga causa também insônia, perda da sensação de cansaço e falta de apetite, em menos de um mês a pessoa pode perder de oito a dez quilos e em um tempo menor de uso perde as noções básicas de higiene, ficando em um estado deplorável.  Em  longo  prazo  pode  acarretar  problemas  cardíacos,  pulmonares,  convulsões, distúrbios  neurológicos  como  isquemias  e  desordens  motoras  e  até  transtornos  psiquiátricos induzidos pela substancia, como transtorno psicótico, alucinações e delírios (Kolling et al 2007).

As   substâncias   psicoativas   presentes   no   crack   atuam   diretamente   no   Sistema   de Recompensa  Cerebral  (SRC)  composto  pelo  córtex  pré-frontal,  núcleo  accumbens  e  área tegumentar ventral. O SRC pode ser chamado também de “centro do prazer”, atos como comer, tocar um instrumento musical ou ter relações sexuais nos proporcionam prazer e vamos repeti- los, estes comportamentos são denominados de “recompensas naturais”, a cocaína vai atuar de tal modo  a  possibilitar  um  prazer  “não-natural”  (Figlie,  Bordin  e  Laranjeira,  2004).  O  principal neurotransmissor  atuante  no  circuito  de  recompensa  é  a  dopamina,  com  o  uso  do  crack  o funcionamento  dos  neurônios  vai  alterar  totalmente,  porque  a  cocaína  inibe  a  recaptação  da dopamina,   necessária   durante   a   sinapse.   Esse   excesso   neuroquímico   na   fenda   sináptica proporciona  a  sensação  de  prazer,  por  isso  a  cocaína  causa  uma  recompensa  “não-natural” alterando o SRC (Figlie, Bordin e Laranjeira, 2004).

Com o tempo esse circuito começa a necessitar da droga para poder executar suas funções normalmente,  passando  a  produzir  menos  dopamina  e  gerando  ansiedade,  humor  alterado, anedonia, diminuição da energia e até problemas cognitivos. (Cunha, 2006).


OS DANOS NEUROPSICOLÓGICOS DO CRACK


Há   diversas   complicações   neuropsicológicas   associadas   ao   consumo   de   crack.   A investigação   neuropsicológica   do   uso   de   substâncias   contribui   para   esclarecer   questões diagnósticas  sobre  as  funções  que  se  encontram  prejudicadas  (Andrade  et  al.  2004),  podendo assim  realizar  uma  reabilitação  cognitiva  através  de  atividades  que  visem  á  recuperação  ou amenização dos déficits cognitivos (Allen, Goldstein e Seaton, 1997). Em um estudo Ardila et al. (1991) comprovaram que os usuários de cocaína, com 30 dias de abstinência, tinham prejuízos


Crédito: Camila Louis Oliveira (autora)
Acadêmica do Curso de Psicologia ULBRA/Guaíba (Brasil)
Orientação:
Luciana Schermann Azambuja
Neuropsicóloga. Professora do Curso de Psicologia ULBRA/Guaíba
www.psicologia.pt
Documento produzido em 26-05-2011
[Trabalho de Curso]
Contacto:
lusazambuja@hotmail.com
Palavras-chave: neuropsicológicos, crack, funções cognitivas.
Crédito da imagem: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neuropsicologia

sábado, 10 de novembro de 2012

SEM ILUSÂO


"Dependência química não é mero hábito de pessoas sem força de vontade para livrar-se dela, é uma doença grave que modifica o funcionamento do cérebro. Nós, médicos, devemos confessar nossa ignorância: não sabemos tratá-la, porque nos faltam experiência clínica e conhecimento teórico. Só recentemente a comunidade científica começa a se interessar pelo tema."

Dr. Drauzio Varella





AGORA VAMOS RELEMBRAR ALGUMAS INDAGAÇÕES FEITAS SOBRE UMA TEMPORADA "CLÍNICA"


A mulher pergunta: - qual era o remédio que lhe davam para desintoxicar o organismo?

Não sabe da missa a metade e nem vai dar para contar um terço, por mais que me esforce em lançar um pouco de luz na ribalta de clínicas, que não passam de esconderijos prisionais, se quisermos usar um pouco de franqueza, não irei convencer ninguém quanto a realidade que vivi, observei e até um diário escrevi.

Tinha um companheiro que ficou um mês internado em hospital, com o plano de saúde dele, desintoxicando, fazendo exames e sendo muito bem cuidado e medicado. Saiu mais gordo. Foi algo voluntário e ficou seis meses limpo. Houve assistência médica especializada para o quadro de alcoolismo dele. Só faltou cuidar do lado espiritual, psicológico... Isso inexiste em muitas clínicas e chamados centros terapêuticos. Infelizmente muita gente cai na armadilha das propagandas enganosas. Ele se lamentava muito quando descobriu que foi parar em um centro prisional, onde, de bom, só havia a reunião para leitura do texto básico do NA e partilhas.

O pai, perplexo, pergunta sobre o incêndio criminoso ocorrido: - você estava preso na hora da ocorrência?!! Sim. De um lado uma porta fechada, por onde a chama vinha, ardente e devastadora, consumindo tudo, do outro duas grades, mostrando nossa realidade, nua e cruelmente. Pensava tantas coisas em fração de segundos. Lembrei do incêndio do JOELMA, em São Paulo e imaginava o que é o inferno, clamava por Deus, com fé, pensava na família com tristeza (queriam salvar minha vida e veja só, vou morrer frito! e perdoava todos e vinha uma vontade de chorar); O desespero e gigantesco, o desejo de lutar pela vida é maior e nasceu uma força descomunal dentro de mim, que estava prestes a ser devorado pelas chamas e virar cinza... O nome do filme seria "Sem Saída". Não havia saída de emergência, extintores de combate a incêndio, nem escada de emergência. Foi algo, infelizmente, criminoso. O adicto que liderou a rebelião foi o que tomou a iniciativa de buscar me retirar do quarto prisional. Ele e outros. Devo agradecer a eles. Se arrependeram; não mediram as consequências do que fizeram. 

O ouvinte: Em que consiste o tratamento, a terapia? como ´e o cotidiano? ouviu, como resposta: - a verdade dói, incomoda, mas a mentira dói muito mais quando descoberta. Inexiste tratamento! Há uma contenção, um represamento da abstinência e maior o tempo de detenção, maior a explosão. Existem modelos que ajudam e modelos que é dinheiro jogado no lixo, infelizmente. Inexistem dados sobre índices de recuperação. Havia um grande contingente de recaídos, ali postos à espera de um milagre. Quando fora da jaula, chupava manga, como complemento alimentar. A natureza me favorecia. Eram mangas temporão.


A estudante de medicina: E o acompanhamento médico, cuidados e zelo com a saúde dos internos, como é que funcionava? Familiares imaginam tudo de bom. Tudo é mil maravilhas. Mas tais lugares podem ser muitas coisas, mas jamais um centro, ou clínica de recuperação. Onde a ciência se ausenta, a treva é a lamparina. Digamos assim, lá tudo é uma estorinha que sempre começa assim: era uma vez... e nessa base vamos vivendo resignadamente. Deveriam ter outra denominação como CENTRO DE CONTENÇÃO DE ABSTINÊNCIA, ou REPRESAMENTO. Reconheço que há boa fé, mas é necessário a presença da ciência, da medicina.

Uma ouvinte: Alguma decepção contribuiu em sua recaída? Recaída faz parte da doença da adicção, mas devo dizer que a decepção soma-se a outros fatores e descamba sempre em algo ruim. Causa um desarranjo qualquer... Um amigo, em quem depositei enorme confiança...A vida é um perde e ganha sem fim, sem detalhes.

Um crítico: O que funciona ? A boa vontade, a mente aberta e a honestidade. NA e AA ajudam muito mais se o dependente quiser e se permitir ser ajudado, aliando tudo a um poder superior. Os doze passos e acompanhamento médico e psicológico também funciona, mas a chave, ou o segredo, está dentro de cada ser humano que vive seu próprio drama. FALO POR MIM!

sábado, 3 de novembro de 2012

O comércio do Crack, Drauzio Varella

A disseminação vertiginosa da epidemia de crack deixa a sociedade perplexa. Tememos por nossos filhos, pela violência que caminha no rastro da droga, lamentamos o destino dos farrapos humanos que perambulam pela cidade, mas nos sentimos impotentes para lidar com problema social de tamanha complexidade.
Diante desse desafio, a única saída que fomos capazes de encontrar é a de reprimir. Partimos do princípio que, se prendermos todos os traficantes, as drogas ilícitas desaparecerão ou chegarão aos centros urbanos a preços proibitivos.
Alguém já disse que todo problema complexo admite uma solução simples; sempre errada. Pretender acabar com o crack por meio da repressão é ingenuidade. Gastamos fortunas para conseguir o quê? Cadeias lotadas, polícia corrompida, violência urbana, judiciário sobrecarregado, traficantes poderosos, mortes de adolescentes e droga barata. Barata como nunca.
Tratar o uso de crack como simples caso de polícia, é política pública destinada ao fracasso. É enxugar gelo, como disse um delegado.
Os jornalistas Mario Cesar Carvalho e Laura Capriglione publicaram no jornal Folha de São Paulo (caderno Ilustríssima de 23/6/2010) uma das análises mais brilhantes que já li sobre a epidemia de crack no Brasil. Para eles, é impossível compreender como uma droga com tal poder destrutivo se espalhou pelo país, sem analisar os dados econômicos envolvidos em seu comércio. Estão certíssimos.
Citando dados da Polícia Federal enviados à ONU, os autores fazem a seguinte análise: “um grama de cocaína vale R$ 6 no atacado e R$ 25 no varejo, gerando um lucro de 300%. O lucro do crack é menor, de 200% — o traficante graúdo pega o grama por R$ 4 e o revende por R$ 12. O que faz toda a diferença do crack é o tamanho da clientela em potencial. As classes C, D e E correspondem a 84% da população do país (162 milhões de pessoas)…”
Segundo os dois jornalistas, as propriedades farmacológicas da cocaína fumada sob a forma de crack, causadoras da sensação imediata de prazer intenso que leva ao uso compulsivo, e a liquidez espantosa que o crack encontra nas ruas completam o quadro.
Há mais um detalhe a considerar. No comércio de qualquer mercadoria, os custos para transportá-la do centro de produção ao de consumo são cruciais para o sucesso das vendas. No caso das drogas ilícitas, esse gasto é irrelevante. Se um traficante pagar 2 mil dólares por quilo de cocaína pura na Bolívia, e um piloto cobrar a quantia absurda de 500 mil dólares para transportar 500 quilos para os Estados Unidos num voo clandestino, que diferença fará? O preço final aumentará apenas 1.000 dólares por quilo, que será vendido por 30 mil dólares em Nova York.
É impossível eliminar do mercado um produto com essas características, comercializado por capitalistas selvagens que não recolhem impostos nem reconhecem direitos trabalhistas, com poder suficiente para corromper a sociedade e condenar à morte os que lhes prejudiquem os negócios.
Veja os americanos, leitor. Investiram na guerra contra as drogas mais do que a soma gasta por todos os países reunidos, e qual foi o resultado? São os maiores consumidores do mundo.
O que fazer, então? Cruzar os braços?
A forma mais sensata de enfrentá-lo é reduzir o número de usuários. Dependência química não é mero hábito de pessoas sem força de vontade para livrar-se dela, é uma doença grave que modifica o funcionamento do cérebro. Nós, médicos, devemos confessar nossa ignorância: não sabemos tratá-la, porque nos faltam experiência clínica e conhecimento teórico. Só recentemente a comunidade científica começa a se interessar pelo tema.
É preciso oferecer ao craqueiro uma alternativa de vida para tirá-lo das ruas. Além disso, criar novos centros de recuperação formados por equipes multidisciplinares de profissionais bem pagos, dispostos a aprender a lidar com os dependentes, a conduzir pesquisas e a definir estratégias baseadas em evidências capazes de ajudar os inúmeros usuários dispostos a escapar do inferno em que vivem.
O dependente de crack deve receber apoio social e ser tratado com critérios semelhantes aos que usamos no caso dos hipertensos, dos diabéticos, dos portadores de câncer, Aids e de outras doenças crônicas.


Cocaína e Crack


Cocaína e crack são drogas psicoativas que provocam alterações cerebrais muito importantes. Aspirada, fumada ou injetada na veia, a cocaína se distribui pelo corpo e age em todo o organismo, mas sua ação no cérebro é responsável pelo efeito que provoca dependência.
Para entender o processo, vale lembrar que, no cérebro, há cem bilhões de neurônios, células características do sistema nervoso que possuem um corpo central e inúmeros prolongamentos ramificados, os dendritos. É através deles que o estímulo é conduzido de um para outro neurônio. Os dendritos não se ligam, porém, como os fios elétricos. Entre eles existe um pequeno espaço livre chamado sinapse (Imagem 2) onde várias substâncias químicas são liberadas e absorvidas. Uma das mais importantes é a dopamina.

Quando surge o estímulo que dá prazer, por exemplo, a dopamina cai no interior da sinapse e, como a chave que entra numa fechadura, penetra nos receptores do neurônio seguinte e transmite a sensação de prazer. A dopamina que sobra na sinapse é reabsorvida pelos receptores da membrana do neurônio que emitiu o sinal e a sensação de prazer desaparece.
O que acontece quando a pessoa fuma, injeta ou cheira cocaína? A droga entope os receptores que reabsorvem a dopamina, deixando-a por mais tempo na sinapse e perpetuando a sensação de prazer.
AÇÂO DA COCAÌNA NO CÉREBRO
Drauzio – Na casa de Detenção, cheguei a ver rapazes de 25 anos com derrame cerebral depois de uma noitada de crack.
Ronaldo Laranjeira – As doenças cardiovasculares são realmente as maiores causas de mortalidade relacionadas à cocaína, uma das substâncias mais potentes para gerar prazer imediato, principalmente na forma de crack cuja ação é muito mais rápida e efetiva. É atrás desse prazer que o usuário está.
O padrão de uso dessa droga é quase  na forma de tudo ou nada: ou a pessoa fica dependente ou não se interessa por ela. Embora existam, é pequeno o número de usuários esporádicos, exatamente porque o efeito poderoso e reforçador do crack logo gera a dependência.
Drauzio – Qual o mecanismo cerebral que transforma a cocaína no interesse maior na vida das pessoas?
Ronaldo Laranjeira – Em nosso cérebro existe um sistema de recompensa que é o núcleo do prazer. Quando a pessoa come, dorme, tem relações sexuais – o repertório é muito grande – ativa esse sistema biológico. Ao longo de milhares e milhares de anos de evolução, ele foi desenvolvido como forma de preservar a espécie e o indivíduo. Por isso, a tendência é repetir os comportamentos que trazem prazer.
Drauzio – Na verdade, o cérebro acha que tudo o que dá prazer é bom para o organismo.
Ronaldo Laranjeira – De certa forma, é bom mesmo, pois resulta de um mecanismo protetor. Graças a ele, os homens aprenderam a comer, a ter relações sexuais, a abrigar-se do frio. O problema é que as drogas, especificamente a cocaína, utilizam esse mecanismo biológico e deturpam a fonte natural do prazer, fazendo com que a pessoa repita seu uso não se importando com o que lhe possa acontecer.
A tendência do usuário de cocaína, mais do que o das outras drogas, é negligenciar todas as outras fontes de prazer. Às vezes, ele para de comer, de ter relações sexuais, de trabalhar. Hoje se considera a dependência de maneira geral, e particularmente a de cocaína, uma doença cerebral, uma vez que o dependente usa a droga de forma deletéria para o cérebro.
Drauzio – No cérebro, quais são os circuitos fundamentais da ação da cocaína?
Ronaldo Laranjeira  – A cocaína age sobre três pontos: o tronco cerebral, o núcleo-acubens e sobre a região do córtex cerebral pré-frontal, a mais importante de todas.
A sensação de prazer tem conexão com o pensamento. Não é só uma sensação visceral, de prazer físico. É também um prazer cerebral. Por isso, o usuário de cocaína pensa que tem controle sobre a busca do prazer – “Não uso cocaína porque sou dependente; uso porque quero essa fonte de prazer”. Ele deturpa seu pensamento em função de uma necessidade mais primitiva, ou seja, a busca do prazer rápido e imediato que a cocaína proporciona. Envolvido por esse processo incessante, desenvolve uma doença chamada dependência química. Muitos de seus comportamentos vão ser explicados pelo mecanismo biológico que perpetua o uso da droga, embora haja fatores sociais e de facilidade de oferta que também interferem.
O conhecimento desses fatos é importante para orientar as relações quer familiares quer de profissionais que lidam com os usuários de cocaína.
VIAS DE ADMNISTRAÇÃO DA COCAÍNA
Drauzio – Vamos falar sobre as três vias de administração da cocaína: a injetável na veia, a aspirada e a fumada na forma de crack.  
Ronaldo Laranjeira – Na primeira metade da década de 1980, era grande o número de usuários de cocaína por via endovenosa. A maioria acabou morrendo infectada pelo vírus HIV. Hoje, no Brasil, esse número é muito pequeno.
Drauzio – Atualmente, nas grandes prisões de São Paulo, esse padrão de uso desapareceu.
Ronaldo Laranjeira – Também é uma exceção encontrá-lo nas pessoas que procuram tratamento nos consultórios ou clínicas. O mais comum é a droga ser aspirada. O efeito é mais lento. No entanto, o seu uso frequente faz com que a absorção da droga seja prejudicada pela vasoconstrição nasal, uma vez que os vasos do nariz acabam sendo lesados.
Fumada na forma de crack é a via mais rápida, eficaz e poderosa de absorção, já que a superfície pulmonar é muito grande, mais ou menos do tamanho de um quadra de tênis, e a pessoa consegue inalar o quanto de fumaça quiser sem a limitação da área pequena da mucosa nasal.
Por isso, a capacidade de o crack produzir dependência é muito maior até do que a da cocaína aplicada por via endovenosa.  Isso explica por que os usuários de crack acabam deteriorando tão rapidamente, uma vez que não fazem mais nada na vida além de fumar a droga. Às vezes, os dependentes passam dois ou três dias fumando e só param quando não suportam mais fisicamente. Aí, comem ou dormem, mas logo depois entram no círculo de novo.
DURAÇÃO DO EFEITO
Drauzio – Meu primeiro contato com o crack foi através de um menino que dizia – “Eu fumei isso uma vez e fiquei horas curtindo o maior barato”. Depois acabei tendo longa experiência com o crack na Casa de Detenção, em São Paulo. Para minha surpresa, vi que seu efeito durava segundos. O dependente acende uma pedra atrás da outra. Por que na primeira vez o efeito é duradouro, leva horas para desaparecer e depois acaba num segundo?
Ronaldo Laranjeira – A pessoa vai ficando tolerante aos efeitos da cocaína, fenômeno que acontece com todas as drogas. Na primeira vez, como o cérebro não está acostumado, o impacto de prazer é mais imediato e tende a durar mais. Com o passar do tempo, porém, há uma readaptação cerebral ao estímulo constante da droga. O cérebro vai se acostumando e são necessárias doses cada vez maiores para produzir o efeito que passa muito depressa. Na verdade, o cérebro procura sempre manter certo equilíbrio. Ele tenta readaptar-se após a exposição à droga o que, com a repetição do uso, torna o efeito mais rápido e passageiro, contribuindo assim para manutenção da dependência e o aparecimento dos danos causados pela cocaína.
Vale salientar que existe o mito de que a cocaína é um estimulante cerebral, considerando seu efeito euforizante que faz a pessoa sentir-se mais poderosa. Na realidade, porém, o metabolismo do cérebro cai muito com seu uso, porque diminui a quantidade de oxigênio em zonas importantes. O cérebro do usuário de cocaína é embotado, muito pobre em termos de estímulos.
Atualmente, há recursos que permitem avaliar o funcionamento cerebral e deixam claro o enorme contraste existente entre o cérebro normal, rico e vivo que consome bastante glicose, por exemplo, e o do usuário de cocaína, que se mostra alterado substancial e principalmente nas regiões frontais, ou seja, nas regiões do pensamento, do controle dos estímulos e da impulsividade. Isso explica em parte o comportamento impetuoso dessas pessoas. Conhecer esse fato é importante para as famílias e para os clínicos, pois ajuda a entender por que elas não pensam muito, gastam dinheiro demais e muitas vezes se tornam violentas (parte da violência urbana está relacionada com o uso de cocaína). A pessoa que está “cheirada” e comete se envolve num crime é a que atira primeiro e por qualquer motivo, já que o funcionamento de seu cérebro está substancialmente alterado.
DESTRUIÇÃO DOS NEURÔNIOS
Drauzio – A cocaína destrói os neurônios?
Ronaldo Laranjeira – Com certeza. Fotografias cerebrais revelam que a diminuição do oxigênio, especialmente nas regiões frontais provocada pelo uso crônico da cocaína, produz alterações que não se recuperam mesmo depois de vários anos de abstinência.
Drauzio –Existe um limite de uso a partir do qual o usuário não recupera mais a função cerebral perdida?
Ronaldo Laranjeira – Antes da década de 1980, a cocaína praticamente não existia no Brasil. Portanto, até alguns anos atrás, era difícil encontrar pessoas que estivessem usando essa droga há vinte anos ou mais. Como isso é possível agora, pôde-se constatar que elas têm lesões cerebrais importantes. Memória, concentração, capacidade de elaborar pensamentos complexos, de ponderar são funções seriamente prejudicadas.
Uma forma de testar o cérebro de um usuário de cocaína é a simulação de um jogo, ogambling test. Estudos mostram que o dependente é muito mais impulsivo, busca o prazer imediato, não se articula para retardar as consequências de seu comportamento, deixando claro os danos que a droga causa nesse órgão.
PARANOIAS
Drauzio – Você poderia explicar como se estabelecem as paranoias associadas o uso de cocaína?
Ronaldo Laranjeira – Elas têm muito a ver com o sistema dopaminérgico. Doses maiores de dopamina provocam sintomas paranoides à semelhança do que ocorre com as anfetaminas, muito consumidas nos anos de 1950 para manter as pessoas acordadas. Pilotos de avião, por exemplo, que às vezes usavam essa droga para não dormir, tinham surtos psicóticos em pleno voo.
De forma marcante, a cocaína produz sensações persecutórias provocadas pelo fluxo muito rápido de dopamina no cérebro. O usuário se tranca no banheiro, imaginado que a polícia vai invadir o local e prendê-lo. É quase um quadro semelhante ao da esquizofrenia paranoide. Dura algumas horas, eventualmente poucos dias e depois tende a desaparecer, mas é sinal indiscutível de que houve uma mudança importante da química cerebral.
Drauzio – O que chama a atenção nesses casos é que a pessoa entra em paranoia e, passado o efeito da cocaína, diz – “Imagina, eu estou louco! A polícia não vai entrar aqui, está tudo fechado; aliás ninguém sabe sequer que estou aqui”. Aí, ele cheira de novo e tem a mesma sensação, tranca-se novamente no banheiro e tudo ocorre do mesmo modo outra vez.
Ronaldo Laranjeira – Na realidade, essa talvez seja a essência da dependência. Mesmo diante de consequências negativas, a pessoa não tem forças para mudar de comportamento, porque o lado prazeroso e reforçador é muito mais importante e forte.
Drauzio – Mas ele não sente prazer, ao contrário, entra em pânico nesse momento.
Ronaldo Laranjeira – É uma sensação imediata, às vezes fugaz, mas existe uma alteração no sistema de recompensa cerebral. Se não existisse, não seria possível explicar tal comportamento.
A consequência negativa de uma substância não impede que ela continue sendo usada, apesar de o efeito paranoide ocorrer quase imediatamente após o uso. Ou seja, a pessoa valoriza essa etapa de efeito rápido, mesmo que seja fugaz e apesar de saber que irá enfrentar reações complicadas.
Tive um paciente que se picava mais de 50 vezes até conseguir injetar a droga, mas dizia que a expectativa do prazer compensava, e muito, o desconforto das picadas. Esse é o aspecto mais impressionante dentro do componente biológico da dependência.
CARACTERÍSTICAS DA CRISE DE ABSTINÊNCIA
Drauzio – Ex-fumantes se queixam de que a vontade de fumar nunca passa. Usuários de cocaína que param de usar a droga não se referem a essa premência. Dizem que ficam bem sem ela, desde que não a vejam porque, se isso acontecer, enlouquecem. Cocaína não provoca uma crise de abstinência tão intensa quanto as outras drogas?
Ronaldo Laranjeira – Os sintomas de abstinência são peculiares a cada droga. O impacto do reflexo biológico da cocaína é diferente do da nicotina. O sintoma agudo da cocaína é o efeito que dá prazer imediato e a sensação de poder. Quando ele passa, o sintoma remoto da abstinência se caracteriza por diminuição desse prazer, um pouco de depressão e alienação.
Você se referiu a um aspecto importante da abstinência em sua pergunta. Estudos indicam que, quando o usuário vê cocaína, ou se encontra numa situação em que pode consegui-la, ou assiste a filmes que abordam o tema, várias regiões de seu cérebro quase que se iluminam, pois o impacto biológico é muito grande e aumenta a vontade de consumir a droga.
Isso tem implicação no tratamento. O cérebro de pessoas que se tornaram dependentes e estão tentando recuperar-se, reage de modo distinto diante da possibilidade de usar cocaína. Algumas ficam internadas seis meses em uma clínica e voltam para casa. A perspectiva de ter acesso à droga ou de encontrar um amigo que a consuma provoca uma reação biológica, um impacto cerebral diferente. Isso já foi demonstrado pelo PET Scan (um exame para analisar a atividade dos vários centros cerebrais) e essas pessoas precisam estar preparadas para enfrentar a inevitável vontade de usar cocaína, caso se vejam diante dessa possibilidade no futuro.
Drauzio – Aplicando o PET Scan é possível fazer o mapeamento do cérebro?
Ronaldo Laranjeira – Trata-se de técnicas que fazem não só uma fotografia simples do cérebro, mas uma fotografia que deixa ver seu funcionamento diante do estímulo visual da cocaína, já que algumas regiões se acendem como se ali houvesse uma luz vermelha e simultaneamente ocorre um pico de vontade para usar a droga.
Drauzio – É por isso que a medicina classifica a dependência química de modo geral como doença?
Ronaldo Laranjeira – Atualmente a tendência é classificar a dependência como uma doença do cérebro. Embora seja uma doença multifatorial, existe um componente cerebral muito importante para ser abordado durante o tratamento. Achar que a pessoa é dependente porque é fraca, não tem força de vontade é minimizar o problema. Às vezes, ela não consegue lidar com o apetite exagerado pela cocaína por causa do impacto biológico que sofre.
Em síntese, a dependência é o desenvolvimento de um apetite específico sobre uma substância. No tratamento, a pessoa precisa aprender como domar esse desejo exacerbado. Por isso, é de extrema importância desenvolver medicações que diminuam esse apetite pelo uso da cocaína e façam com que a força de vontade e a pressão psicológica para suspender seu uso se manifestem de forma mais tranquila.
Nota: "Ronaldo Laranjeira é médico psiquiatra, coordenador do programa de pesquisas em álcool e outras drogas da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo."

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