domingo, 13 de abril de 2014

Conviver, Missão Impossível?

 


Revista Vivência - Alcoólicos Anônimos ( AA )


"Reparações reconciliam nosso passado com nosso presente."         


A característica básica de nossa doença é o descontrole emocional. No início do processo, devido à "ligação", à artificial capacidade de nos tornarmos simpáticos, alegres e comunicativos, conquistamos facilmente as pessoas. A gente assume todo tipo de responsabilidade e conseguimos inventar desculpas plausíveis quando não as cumprimos.          

Com o passar do tempo, o alcoolismo nos vai tirando as diversas máscaras, nossas atitudes mudam, nos transformamos em causa de grandes desilusões e machucamos muito os demais, quando passamos a envergonhar os que ainda tentam confiar em nós.          

Depois, a incapacidade da vida social, as agressões e a final solidão.          

Nós de A.A. tivemos a felicidade de um dia ter aceitado que existe uma saída, uma chance de reabilitação e condições de uma transformação na maneira de pensar, em nossas convicções e em nossas reações.         

Nos Doze Passos há uma preocupação inicial com a aceitação do problema, a busca da espiritualidade e as tentativas do autoconhecimento. Passamos, em contato com o Grupo e companheiros, a ter coragem de nos olharmos francamente, trabalhar para nos modificarmos para melhor e adquirirmos a consciência de que existem outras pessoas. Precisamos conhecer nossos direitos e limites para conseguirmos fazer parte de um contexto social.          

Só a partir do Oitavo Passo, após um convívio com os Passos antecedentes, vamos partir para uma volta a um mundo real, com seres distintos, com reações diferenciadas e a maioria ainda com a visão do que éramos ainda há bem pouco tempo.          

Para limparmos nosso caminho e facilitar nossa jornada, precisamos reparar o máximo possível dos danos passados.         

No meu caso em particular, logo entendi que essas reparações devem ser antecedidas de um estudo cuidadoso de cada caso, pois eu as entendo não mais como um simples "me desculpe", tão comuns em toda uma vida repleta de mentiras, mas sim a coragem de novas atitudes e novas reações emocionais.          

As antigas relações, bem como as novas, vão acreditar não tanto em palavras e promessas, mas sim em nossa maneira de ser, em nosso equilíbrio emocional, em nossa sinceridade e compreensão. Essa compreensão, inclusive, não tem tempo predeterminado, mas vai acontecendo.          

Há casos, e no meu caso foram inúmeros, onde minha ausência, o meu "não atrapalhar" foram vitais para que eu não me sentisse mais culpado. Outras vezes a oportunidade do reencontro acontece quando não existe mais esperança - já escrevi para a "Vivência" de tempos atrás relatando o encontro com um filho, nora e neto, após 25 anos de ausência e maravilha do nosso relacionamento atual repleto de muito amor e sem a necessidade de remexer-se nas feridas do passado. 

Outras pessoas muito queridas não vi mais, mas sei que o "querer" vai depender delas, pois aprenderam a ser felizes sem minha presença e tenho que aceitar também isso.          

Finalmente, preciso entender que as reparações não são só as do passado, ainda acompanhadas de uma certa desculpa de como eu era, do meu desconhecimento das verdades que agora são base de minhas mudanças, principalmente na maneira de conviver com os outros.          

Tenho agora o meu Décimo Passo e dentro dele ainda me surpreendo com reações muito parecidas com as antigas, de uma época que não tinha noção do que é sobriedade. Tenho que cuidar rapidamente de suas soluções, pois ainda vivo de muito orgulho ferido e consequentes ressentimentos e desejos de revide. Ainda tenho o defeito de aceitar tudo das pessoas que amo e não perdoar nada das que não me são simpáticas. Trabalho inclusive um novo cuidado nos relacionamentos: o cuidado de analisar palavras que me ferem, pois notei que se me chamarem de alguma coisa que tenho certeza de não ser, tiro de letra.

Quando me chamam de nomes que gosto de ser, até me orgulho. Mas quando falam de mim coisas que sei que sou mas não quero que os outros saibam, saio do ar e me mostro sumamente ofendido. Tudo isso precisa ser remediado, pois a colheita não é fácil e não posso continuar a criar situações que futuramente me tragam problemas emocionais e sentimentos de culpa.          

Tenho certeza de que estamos num programa de vida para nos tomarmos alegres, otimistas e felizes e que se fui tão diferente no passado, a ponto de muitos me excluírem de suas vidas, agora, nessa nova chance de ser reintegrado à comunidade, tenho que continuar a ser diferente, pois o mundo e as pessoas continuam a ser as mesmas e eu é que tenho que ser outro. Nada muda se eu não mudar e a tristeza também cansa de ser triste e a solidão cansa de ser tão só.  

Vivência n° 47  -  Maio/Junho DE 1997
 
Crédito de um companheiro anônimo do AABR





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