terça-feira, 15 de abril de 2014

DESPERTAR ESPIRITUAL, VIAGENS...

                                                     
 PARADOXO DE PODER

Anos antes de começar a minha vida em A.A., dava aulas de literatura norte-americana em uma universidade. 

Um dos escritores cuja obra eu gostava de ler e discutir com os alunos era Emily Dickinson. Com poucas palavras, ela captou a definição peculiar que eu tinha mas com a qual não consegui lidar.  Um dos seus poemas tinha um apelo especial no qual voltei muitas vezes. Começava assim: 

”I can wade Grief

Whole Poopls of it

I’m used to t5hat/

but the least push of Joy

Breaks up my feet

And I tip – drunken.”

( “ Eu consigo navegar pela tristeza/; poços inteiros de tristeza/ estou acostumada com isso/ mas um simples toque de felicidade/ me desequilibra/ e eu tropeço – bêbada”.) 

Essas poucas linhas descrevem claramente por que eu bebia. 

Eu conseguia atravessar mares de tristeza e depressão; ao longo dos anos eu tive apoio psiquiátrico para me ajudar. Já estava acostumada. Mas qualquer sentimento de alegria me derrubava, sempre tropeçava bêbadas: viagens, aumentos, promoções. Comemorações de qualquer tipo. Todas as ocasiões eram desculpas para beber. 

Em pouco tempo encontrava uma razão para transformar aquele dia em festa. Quando isso acontecia, todos esses dias já não eram mais tão especiais ou festivos. Depois de frequentar A.A. por um tempo, voltei ao poema um dia e encontrei uma maneira totalmente de ler. Nunca tinha percebido que toda aquela bebedeira havia sido iniciada por momentos de despreocupação, comemoração e alegria., para então terminar naqueles anos de desespero nos quais tentava manter o prazer e a diversão. 

O programa me proporcionava uma compreensão da minha dependência alcoólica, e como mais benefício, uma nova leitura do meu poema favorito. Mas tem mais. Mais adiante, no poema, Emily Dickinson comenta que devemos nos proteger nos momentos de alegria, quando estamos vulneráveis ao sofrimento e á angustia. “Power is only Pain  -/Strandede, through Discipline...” (“ O poder é simplesmente a dor/ Entrelaçada com a disciplina…) Sempre usei a definição de poder para iniciar as discussões em sala de aula sobre o possível significado para os alunos. Mas, agora, parecia que o lia pela primeira vez. Expressava o que eu estava começando a entender sobre A.A. Poder é a palavra chave neste programa, e sua importância sempre é destacada nos Doze Passos.  

No inicio, “admitimos que éramos impotentes perante o álcool – que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas. “ . Então, acreditamos “que um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver a sanidade.” E, no Décimo Primeiro Passo, rogamos “pelo conhecimento de Sua vontade em relação a nós” e forças (poder) para realizá-la. Comecei a notar a ênfase que o poder e a força recebem no programa de A.A. Percebi que aquela pessoa que considerar o A.A. como uma simples renúncia ao álcool, certamente, não leu os Passos com atenção. A nossa dependência contínua pelo Poder Superior demonstra a extrema importância que atribuímos á atitude e à realização. A fonte do poder, Dickinson acrescenta, é a dor.  

Na minha experiência em A.A., nunca encontrei um membro que não tenha sofrido. Nunca conheci ninguém que decidiu entrar para o programa em uma manhã linda na primavera, quando tudo estava indo bem.  A maioria de nós entrou de joelhos e a partilha dessa dor comum é a maior razão pela qual voltamos ás reuniões.”Entrelaçar” significa construir pela união, torção, como os fios de uma corda. Assim, fica implícito que a conquista do poder vem por meio da mistura da dor com a disciplina. Disciplina, a palavra que todos nós tínhamos pavor desde os tempos de escola, foi a parte de A.A. que mais me assustou. 

No inicio, achava que, com disciplina rígida e força de vontade, eu conseguiria parar de beber. De qualquer maneira, estava preparado para me sentar e assistir ás reuniões com muita determinação para perceber isso. Quando criança, a que se me esforçasse o suficiente e fosse disciplinado, poderia atingir qualquer meta que fosse estabelecida. Talvez esse princípio pudesse me segurar e me ajudar a não beber. 

Mas os membros de A.A. me surpreenderam com uma nova definição do termo. Em vez de me segurar, disseram que eu deveria me soltar. Em vez de utilizar o autocontrole, fui incentivado a entregar a minha vida e vontade a Deus. E no final do Sexto Capítulo do livro Alcoólicos Anônimos, li que “nós, alcoólicos, somos indisciplinados”. Então, “nós deixamos Deus nos disciplinar na forma simples que acabamos de descrever”. 

Eu não tinha conhecimento dessa definição. “entregar-se” sempre significou a autoindulgência: beber aquilo que sobrou na garrafa, comer o bolo inteiro, dormir até o meio-dia. Agora ouço dizer “entregar-se” significa adquirir disciplina. Tive de redefinir o termo pelo ponto de vista dos membros de A.A. “ Power is only Pain - /Stranded, through Discipline ...” (“ O poder é simplesmente a dor/entrelaçada com a disciplina...”).  Estou em A.A. há algumas 24 horas e estou começando a compreender o significado daqueles versos. A renovação da disciplina é um processo que deve ser iniciado todos os dias. Mas estou aprendendo a atravessar os poços de tristeza, dar passos com alegria e sem dor, com o poder que recebo pela disciplina de Alcoólicos Anônimos. –D.H. –Delmar, Nova Iorque.- Abril de 1982.

Texto de um companheiro Anônimo da AABR

Um comentário :

  1. "Nenhuma poesia do tempo se parecia com a sua, tão insólita, tão abrupta, tão tensa e tão concisa. [...] a "liberdade" de Emily Dickinson é extremamente complexa, só entendível em pessoalíssimos termos. Mas, na história da poesia norte-americana, em que as figuras dolorosas ou tragicamente isoladas são tantas, ela avulta esplêndida, igualmente distante dos "profissionais" da poesia ou dos fabricantes dela para consumo doméstico ou público."

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